terça-feira, 25 de abril de 2017


UMA DOR DE DENTE NA ÍNDIA

Em janeiro de 1993, em viagem à Índia, escrevi no meu diário a minha estadia em Chenai, sul da Índia, e a visita a um dentista local.

“Cada vez mais tomo consciência de que não existe acaso. Somos guiados por energias superiores que nos conduzem no momento certo para a pessoa certa.

“Deus escreve direito por linhas tortas.”

Foi preciso ultrapassar várias provas, derrubar expectativas, quebrar programas pré estabelecidos, desapegar do conforto e aceitar o sofrimento. Compreendi que o sofrimento não vem por acaso. Por detrás dele existe luz.

Uma dor de dente inesperada obrigou-me a procurar um dentista. Ali estava em frente ao hotel um grande cartaz anunciando uma clínica de cirurgia dentária: Dr K. V.
“Believe in me, madam” – “Acredite em mim, senhora. Você tem um abcesso na gengiva, é necessário fazer uma cirurgia, não convém seguir viagem com este problema”.
Era urgente tomar uma decisão. O dentista estava ali, com um holofote em cima da minha boca. A decisão teria de ser tomada naquele momento. Eram 8 horas da noite, dia de sábado.

“Sim, acredito em você, pode começar a operação.”

A cirurgia de emergência foi um sucesso e fiquei amiga do jovem dentista. Hoje, domingo, fomos procurá-lo. Levamos o livro do Pepedro, Oriente-Ocidente e o currículo.

Dr. K. V. é artista plástico, tem um irmão também artista que acabou de fazer uma exposição de pintura – gostou dos livros, interessou-se pelas pesquisas da minha filha em torno da antiga sabedoria da Índia.” (Trecho do meu diário de viagens, 1993)

*Fotos da internet

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segunda-feira, 17 de abril de 2017


PROFISSIONAL FUNDO DE QUINTAL

Escrevi isso durante uma viagem do Retiro para BH.

Sempre fui profissional
De fundo de quintal
Ateliê na garagem
Ou no barracão
Muitas vezes no porão
Não tenho estagiária
Ou motorista
E para não perder de vista
O meu trabalho
Vou fazendo tudo
Como carta de baralho
Distribuindo
Para quem está por perto
Um montão de serviços
São papéis
Amarelados pelo tempo
Cheios de poeira
Dos caminhos da vida
Que já ameaça me afetar
Com coceira no nariz
Nos ouvidos
Nos olhos
Já vi que tenho
Alergia
Pelo passado
Meu passado de viajante
Foi escrito
Nas várias
Viagens pelo
Mundo a fora
Pela Europa
América e Ásia
Registrados
No frio das
Madrugadas
Em hotéis
Ou comunidades
Tudo escrito à mão
Rabiscado no cartão
Nos livretos de memória
Nas beiradas de jornais
Nos guardanapos das mesas
Onde às vezes vou comer
Escuto aula de espanhol
Sentada no carro de Marília
Vou rodando pela estrada
Escutando
Qui eres ?
Soy artista
Artista de fundo de quintal
Onde o doméstico
Vai se misturando
Com o artístico
Minha vida de artista
Profissional
Que não teve mordomias
Como outros colegas
Que tem secretária
Motorista
Estagiária
Hablas espanhol?
Hablo Inglês
Estou escutando
A aula de espanhol
E registrando
Meus apontamentos
Sem usar computador
O carro parou na estrada
Posso escrever sem tremer

*Fotos de Antonio Eugênio Salles Coelho

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segunda-feira, 10 de abril de 2017


FRAGMENTOS DE UM PASSADO FELIZ

Sempre gostei de escrever. Quando criança, anotava os fatos em diário, relatando os acontecimentos principais de minha vida. Na adolescência o não verbal assumiu a liderança, quando se manifestou em mim a necessidade de desenhar.
Meus primeiros desenhos datam de 1936, quando eu tinha 14 anos. Copiava das revistas artistas de cinema e esses desenhos foram guardados por minha mãe e até hoje fazem parte do meu acervo particular. Eu gostava de brincar com as palavras e desenhava também as caricaturas de todos os parentes.

Cloris, mulher do primo Geminiano Góes, era sempre muito presente e muito amiga da família. Escrevia versos e textos poéticos. Com ela devo ter aprendido a fazer versos e paródias de músicas carnavalescas. Tudo nos era oferecido como brincadeira.
Me lembro perfeitamente quando, aos 14 anos, Cloris preparou uma festa para a família reunida. Eu teria de subir num banco e desenhar a caricatura de cada um. Ela fazia os versos adequados. Todos ganharam versos e desenhos. Ao final desenhei a própria Cloris com uma tesoura na mão e um personagem de casaca tentando escapar da tesoura. E escrevi para ela o verso abaixo:
“Poetisa mui querida, escritora de mão cheia, eis sua arte preferida: cortar a casaca alheia...”
Com esta trova a própria Cloris foi premiada!

Havia naquela época uma interatividade muito grande entre as crianças, os adolescentes e os adultos. Eles sempre estavam presentes, nos incentivando nos jogos criativos.
Às vezes, havia um que nos dava gozeira, mas a forma de me defender era também gozando o “bullying”.
Criava sonetos humorísticos e paródias de músicas carnavalescas. Desenho, pintura e palavra escrita conjugavam-se harmoniosamente.

Abaixo estão algumas paródias:
Para tio Freitas, gozador e careca:
“Tio Freitas tem por mira caçoar do meu bigode;
Mas bigode a gente tira e a careca não se pode.”
Com este pequeno versinho, acabei com a gozeira do tio.
Encontrei nas trovinhas a forma de superar a raiva dos “bullyings”. Naquela época não havia este nome americano, mas a emoção negativa rolava dos dois lados, um querendo acabar com o outro e este se defendendo. Ao invés de chorar e me enraivecer, eu desenhava a caricatura da pessoa e fazia trovinhas à moda do nordeste. Com isto eu vencia o duelo e me acalmava.


Para toda a família, escrevi esta paródia da música carnavalesca intitulada “Nós, os carecas”:
“Nós, os narigudos
Não temos medo de ficar na mão.
Um ano é a careca, outro ano o bigode.
Mas fazer fiasco o meu nariz não pode.
E o cordão dos narigudos não é sopa não.
O meu nariz cresceu, por isso zombam de mim,
Mas a família inteira tem nariz grande assim.
Podem olhar, verificar, não é mentira!
Com nariz grande muito melhor se respira.”
Lembro que fizemos um cordão de carnaval na casa de D. Ester de Lima, avó de Vera Lúcia, minha prima, filha do tio Gerson. Saímos todos fantasiados e com nariz postiço. Na frente, conduzindo o cordão carnavalesco, ia a tia Letícia com seu nariz natural...

No momento estou na minha fase de colagens. Reúno papéis coloridos e vou cortando quadradinhos de diversos tamanhos. É a forma de substituir a tinta para não ter problemas de alergias. Fiz uma trova para esta minha fase recente:
“Enquanto Deus não me chama para entrar no céu,
Vou ficando por aqui, picando papel.”

O lúdico é importantíssimo para a transformação de energias negativas em positivas. O bom humor pode até prolongar a vida da gente.

*Fotos de arquivo

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segunda-feira, 3 de abril de 2017


CARTAS POÉTICAS NO GRUPO TERRA MATER

Há muitos anos tenho assistido a apresentações do espetáculo “Cartas Poéticas” do grupo “Voz e Poesia”. Sempre é um espetáculo diferente.
Cartas Poéticas, para mim, se realiza como o I Ching dos chineses, captando a resposta a uma indagação. A resposta já está guardada no coração de quem faz a consulta, só que a mente do espectador que faz a consulta não tem consciência dela. O espectador sobe ao palco, coloca as mãos na mesa, concentra-se na pergunta. As cartas têm a resposta que é traduzida em forma de música e poesia. Essa captação de energias semelhantes é o encontro do desconhecido que existe dentro de nós, nos subterrâneos luminosos de nosso inconsciente.
Cartas poéticas promove o encontro do público com a poesia e o canto de forma direta, sem análises ou explicações. É ali, naquele momento mágico que as coisas acontecem e se clareiam.

        Segundo Ivana, o grupo "Voz e Poesia" teve início em 1992 com  shows  poético- musicais onde poesia, música, contos e textos literários de grandes autores se misturavam e se entrelaçavam numa costura emocionante e criativa. A proposta do grupo era tocar a sensibilidade do público com um show que lembrava a Música Popular Brasileira da década de 60. Como os inesquecíveis shows dos anos dourados, o ponto forte do espetáculo está na mensagem, no conteúdo cheio de emoções, fortes ou suaves, de autores do porte de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, José Régio, Cecília Meirelles, Rilke, Adélia Prado, Kalil Gibran, Jorge Luis Borges, Milton Nascimento, Caetano, Gil, Violeta Parra, John Lenon e muitos outros.

       Buscando a diversidade e sempre pesquisando novos autores, os artistas puderam montar opções de shows que atendem a platéias específicas de forma flexível e criativa. Desta forma, podem ser extraídos do repertório poesias, contos e músicas que trata de temas como: natureza, qualidade de vida, relacionamento afetivo, espiritualidade. Muitas vezes o show integra oficinas, vivências ou palestras administradas pelos artistas em empresas, instituições ou eventos em que atuam como facilitadores, utilizando técnicas artísticas para o desenvolvimento pessoal e empresarial.

Muitas vezes o grupo se apresenta como duo, apenas Luciano Luppi interpretando os poemas e Ivana Andrés cantando “à capella”. Como duo eles se apresentaram na oca indígena que sedia o grupo “Terra Mater”, no sul da Bahia.

Abaixo transcrevo trecho do diário de viagem de Ivana:
É final de tarde e o sol deixa passar uma claridade através das palhas da oca. Já testamos o som e iremos eu e o Luciano compartilhar um único microfone. Há mais de 20 anos temos este espetáculo interativo de consultas poéticas e musicais. Quem quiser irá levantar a mão, fazer uma pergunta mental e eu irei levar o leque de cartas. A carta escolhida será interpretada por nós como uma resposta. No final da consulta a pessoa irá receber uma cópia da poesia e da letra da música. 
Estou um pouco tensa porque vou cantar sem acompanhamento, à capella. Sinto falta do meu parceiro, do Evaldo Nogueira. 
O show começa, há silêncio e não sabemos se as pessoas estão gostando. A luz batendo contra os espectadores sentados, não nos deixa ver seus rostos. Luciano sugere fazer uma carta para encerrar mas as pessoas continuam a levantar o braço. Foram-se todas as 16 cartas em quase 2 horas de espetáculo. Nem vimos passar o tempo.
No final o José Roberto Ayres foi dizer um agradecimento e as palavras não vinham. Foi um silêncio cheio de palavras. Outros tomaram o microfone e as palavras foram emoção pura, depoimentos inesquecíveis. 
Depois foi uma turma grande para uma pizzaria tomar cerveja e celebrar este encontro. 

*Fotos de arquivo


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