segunda-feira, 28 de janeiro de 2019


MAHABALIPURAN TEMPLO DE SHIVA


Das janelas do carro observo o Templo de Shiva. A água muito azul contempla a homenagem dos homens ao Deus Shiva, criador e destruídor. Nos dias de maré cheia, a água invade o templo e vai lavando a pedra talhada. Shiva Lingan está lá dentro, esculpido na pedra por mãos humanas.

Há 200 anos atrás um rei ou marajá encomendou aos seus artesãos este trabalho em Mahabalipuran, hoje monumento histórico de cultura e arte. As mãos que esculpiram a pedra já desapareceram , o marajá também já passou para outro plano com todas as suas pompas e riquezas. Ficou o templo de arte vivo no presente, lembrando o passado, recordando os tempos idos em que tudo era feito a mão, onde a energia humana animava a pedra bruta como aquela palavra mágica das “Mil e uma noites”: “Abre-te Sésamo!” “Abre-te pedra, nós vamos em conjunto desvendar seu mistério de muitos anos, cavando a imagem de nossos deuses em sua superfície.”

Assim teriam pensado os artesãos e escultores que diretamente talharam a pedra bruta com a imagem de seus deuses.

A história da Índia, sua filosofia, seus animais sagrados, ali está gravada na pedra.
Um bando de crianças com trancinhas e saias azuis passa em frente aos monumentos entre cochichos e risos.

De repente, em meio aos dialetos desconhecidos, frases familiares vão ocupando o espaço acústico. Um guia fala em bom português “Isto aqui é como se um escultor tivesse esculpido o Pão de Açúcar”. Um grupo de turistas contempla. Vieram do ashram de Sai Baba e aqui estão também contemplando a pedra sagrada. Não seria o Pão de Açúcar também uma pedra sagrada? A vida nos fala momento a momento, não através de pensamentos, mas de fatos. No momento o encontro com o grupo de brasileiros foi uma resposta da vida.
 (Trecho de meu diário de viagem, 1990)

*Fotos da internet

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019


TRANSFORMAÇÕES



Escuta a voz dos jovens...

Procuro aplicar esta frase em minha vida. Estou escutando a voz dos jovens, daqueles que vieram ao mundo muitas vezes para ensinar os mais velhos a enxergar o novo. As mudanças acontecem o tempo todo, elas passam por nós e não vemos nem percebemos que elas existem, porque estamos apegados ao passado.

Esta mudança começa dentro de casa e é um reflexo da mudança que está acontecendo dentro de nós mesmos, nos caminhos internos do passado. E assim, não sabemos como nos desvencilhar daquilo que é velho porque o passado fala mais alto.

Enfim, por que acumular coisas?
São papéis, cartões, jornais velhos, revistas, sapatos, bolsas, roupas, um montão de coisas usadas, e agora, no momento, relegadas ao abandono, mas que teimam em continuar entupindo as gavetas.

“Deixa eu por ordem nas suas coisas, vó?"
“Pode jogar fora o que quiser, vou achar ótimo!”

Já estava saturada de guardar coisas, mas não sabia como começar. Não quis dar palpite, deixei a neta arrumar sozinha, sem intervenções.

Viajei e a deixei organizando tudo.

Quando cheguei, ganhei de presente o meu quarto arrumadíssimo, as gavetas em ordem, tudo arrumado com bom gosto. Minha sala também se organizara e até o quarto da empregada recebeu vida nova.

Esta neta caprichosa percebe o momento exato em que pode acontecer uma transformação. Assim sendo, transformou o meu desenho bidimensional em tridimensional e deu impulso para a realização de novas esculturas.

Mudança, limpeza, o externo se reflete no interno...

É hora de mudar, de organizar o ambiente em que vivemos, para dar espaço ao novo, às terras do amanhã que ainda não foram vividas.

“Liberte-se do passado”, nos disse um dia Krishnamurti, o grande arauto da Era de Aquários.

Para isto, é importante escutar os jovens, perceber em suas atitudes este apelo para o novo.

Tenho bisnetas que já nasceram vegetarianas, outra não consegue comer doces.
De onde vem esta atitude em pessoas tão jovens? O fato é que elas enxergam a necessidade de mudança com muito mais intensidade do que nós, amarrados ao passado...

Escutar o canto da vida é estar presente, percebendo as lições que nos chegam através daqueles que estão mais perto de nós, dos jovens e das crianças. Eles percebem as terras do futuro e estão nos chamando para receber o novo a cada instante.

Fotos de Ivana Andrés

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019


REENCONTRO EM BANGALORE


Aos poucos, das vidraças do trem, começamos a rever o nosso passado de Bangalore – as casas com treliças de madeira, o tráfego e as pessoas na rua. 

Perto de um chafariz, uma jovem indiana com flores coloridas nas tranças, retira água no cântaro de metal. Parece aquelas figuras antigas que eu pintei há muitos anos, antes de conhecer a Índia. Passado e presente se interligam no mesmo painel.

Agora, Dr Peter vem nos buscar no hotel para almoçar no restaurante chinês Blue Heaven. Continua remoçado, bem humorado e cheio de vida, apesar de seus 74 anos. Trabalha 9 meses na Índia para desfrutar 3 meses na Suíça, com Gilda, sua esposa.

Revisito o Raman Institut de Bangalore, onde, por várias vezes estive hospedada na residência de meus amigos Radhakrisna e sua esposa Dominique.

Dominique nos recebe em sua casa, como sempre com aquele seu jeitinho de francesa, aberta aos intercâmbios com o Ocidente. Convidou-nos para o almoço e Dr Peter também participou, contando histórias.

Lá fora, o calor intenso de Madras. Um calor úmido, penetrando a pele, abaixando a pressão. Aqui dentro, no imenso salão de grande simplicidade, os vídeos de Krishnamurti estão à disposição dos interessados. Há sempre um rapaz para nos ajudar na escolha e na localização do vídeo.

*Fotos da internet

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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019


ESTAR SÓ NA ÍNDIA


Silêncio, vazio, ausência de movimento, estar só. Hoje estou sozinha . Aqui já foi palco de muitas cenas passadas. A experiência do momento está sendo diferente, mas muito rica. As árvores são as mesmas, o vento suave da madrugada refresca o calor do verão.

À noite desço a escadinha atravessando o terraço de tijolo, para ouvir a música da natureza.

Como esta experiência é mais rica do que a de estar num hotel de 5 estrelas! Aqui tenho o céu todo a me cobrir de paz e ao mesmo tempo de mistério.
Estar só significa estar vazio de lembranças e recordações, a comungar com o balançar das árvores e sintonizar com a imensa abóbada celeste sem indagações ou conceitos firmados.

Estar só é estar vazio, e, este vazio é enriquecedor. Contemplar o agora, sem lamentar as cenas do passado, apenas constatar o fato de que elas existiram e foram benéficas. As folhas amarelas caem das árvores e cobrem o chão. Já foram verdes e enxergaram os céus, agora cobrem a grama em que pisamos. Quando nos sentimos ligados à natureza, nunca encontramos a solidão, pois, na realidade, a solidão não existe, tudo está interligado, e esta é a nossa riqueza.

Bato na porta pedindo água filtrada. Aluguei bicicleta, me dispus a andar, mas no mesmo dia levei um tombo. Para comprar frutas vou a Adyar andando  a pé.
Agora Sudda me ajuda. Está sendo maravilhosa. Sempre encontramos pessoas que se ligam a nós quando estamos sozinhas, na realidade a solidão não existe, tudo está interligado.

Novamente Krishnamurti falando. As palavras vão rompendo conceitos mentais e abrindo espaço para o novo que não foi ainda vivido. Saí da palestra às 7 e meia da noite, sozinha. O tráfego a esta hora é intenso, carros, bicicletas, ônibus, tudo ao mesmo tempo, fazendo barulho.

“You are the world, and the world is you”.

Ser o mundo significa estar em comunhão com a multidão, e neste momento eu me sentia separada do mundo, com medo de atravessar a rua.

Um taxi, daqueles de 3 rodinhas parou ao meu lado.

“Where are you going?” (Onde vai a senhora?)

“Não quero ir longe, quero apenas passar para o outro lado, respondi.

O jovem motorista não hesitou. Parou o taxi, segurou o meu braço e me pos do outro lado da rua. Neste momento eu percebi realmente que, apesar de sermos parte deste mundo agitado, sempre encontramos alguém que nos coloca a salvo do outro lado.

*Fotos de José Israel e da internet

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