segunda-feira, 24 de junho de 2019


CARTA À MÃE NAIR - AULAS NO KALAKSHETRA, ÍNDIA


Mamãe querida,

Descobri que a gente, quando tem energia, não pode ficar à toa, tem de trabalhar, senão endoidece. É o que eu estou fazendo, laborterapia. Trabalho feito com amor, dentro de um campo que a gente goste – Deixar que Deus mostre o caminho e Ele, um dia, nos mostrará claramente.

 Meu caminho é continuar o que já comecei há 8 anos atrás. Aprofundar o livro  “Os caminhos da Arte”. Primeiro foi feita a síntese, recebida de inspiração, numa madrugada. Juntei arte, religião, ecologia, educação, psicologia. Fiz o que pude dentro de minhas limitações, e já ouvi dizer que o livro tem sido proveitoso para muita gente. 

Agora estou aprofundando a parte de educação no Oriente. A vinda para a Índia foi inspirada. Tive um convite para lecionar na melhor escola de arte da Índia. Chama-se Kalakshetra. É uma escola fundada há 44 anos atrás por uma senhora chamada Rukmini Devi. Ela deve ter 75 anos de idade e dirige a escola. Convidou-me para dar um curso lá em janeiro e fevereiro. Este curso é importantíssimo para a minha pesquisa e não posso perder a oportunidade.

Minha pesquisa vai se transformar em artigo de jornal. É o jeito de tornar mais conhecido este lado de cá. 

Aqui na comunidade onde eu estou, acordo cedo, vou de bicicleta até a praia, tomo meu chá e trago o mingau para Eliana na marmita. Estamos no alojamento de estudantes porque é mais barato. Já me acostumei a morar apertado, sem conforto. Simplificar a vida. Hoje dei uma aula de arte para 25 crianças pobres sustentadas pela Sociedade Teosófica. Deliraram. Primeiro imitamos os bichos da Índia, depois desenharam.

Mamãe, sua filha virou diplomata. O meu trabalho não é só pesquisa, mas é também relações internacionais. O mundo precisa se conhecer melhor e estamos aqui para levar ao Brasil um pouco da Índia e trazer um pouco do Brasil para a Índia.
Se você estiver melhor, poderia vir também, quem sabe?

No Brasil combinaremos,
Um abraço saudoso da
 Helena.

*Fotos  de arquivo e da internet

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quarta-feira, 19 de junho de 2019


CARTA À MÃE NAIR – SAI BABA E INDRA DEVI


Bangalore, 17 de março de 1978

Querida mãe,

Sua carta com notícias ótimas, nos deu muita alegria. A gente de longe fica louca por notícias.

Agora, Bangalore de novo, numa comunidade protestante. Estamos amigas, Eliana e eu, das irmãs daqui. De manhã tocam o sino e a gente se reúne para cantar e rezar a Bíblia. Cada dia uma das irmãs ocupa o lugar de ministro e explica para as outras textos do Evangelho. Estão ligadas à linha de São Tomé, que foi o discípulo de Cristo que emigrou para a Índia. São Tomé foi aquele discípulo que precisou tocar as chagas de Cristo para acreditar na ressurreição.

A Índia é o paraíso de pessoas de idade. São muito valorizados, tratados como sábios, ninguém pensa em caduquice. Acho que caduquice é a própria pressão de fora, exigindo que a gente envelheça. Estou observando muito os costumes do país, e o Maurício, de tanto pesquisar, já está compondo um livro sobre o assunto. O livro inclui um estudo comparativo dos dois países, interessantíssimo. A parte de educação e arte ficou por minha conta e tenho me virado e me distraído com isto. Chego nas escolas, me levam para conhecer tudo. 

Ontem estivemos em White Fields, perto daqui, onde mora Sai baba, um guru muito famoso. Ele é um homem com uma aura maravilhosa e um poder incrível. Materializa as coisas. Num casamento, fez aparecer jóias nas mãos da noiva, e, se o devoto olha com atenção para o seu retrato, começa a escorrer mel da figura. Por causa dos milagres o povo corre para lá. Uma de suas maiores devotas é Indra Devi, uma senhora de 80 anos, nacionalidade russa, que morou 16 anos no México, numa casa de 35 quartos, um palácio. Ela está morando aqui e nos convidou a conhecer o seu grupo de Yoga. Estávamos assistindo uma palestra em Bangalore, onde ela era a pessoa principal. Eu estava de sári, mas com a minha cara de brasileira, logo veio a pergunta: “De onde você veio?” Abraçou-me como se fossemos velhas amigas.
 Ela tem um ar de D. Malisa, aquela alegria e espontaneidade. Costuma reunir crianças pobres da vila, dá roupas, cadernos, comida para eles. Está agora ensinando yoga, música. Se houver oportunidade, talvez a gente ajude um pouco com a pintura. Voltamos de lá boquiabertas. Ela tem uma força incrível. Tem 80 anos com a alegria e espontaneidade de uma adolescente. Cheguei à conclusão que o importante é a gente alcançar esta alegria, esta vontade de viver, de ajudar, de fazer coisas e trazer também aos outros à nossa volta, estes pensamentos e ações positivos.

Quando entra o negativismo é melhor afastar e aprender tudo de novo. Estou aprendendo muito aqui. A bondade do povo, a maneira hospitaleira com que nos recebem, o nível cultural e artístico elevadíssimo e não competitivo. A arte serve para educar o povo, como nas antigas sociedades. Museus, teatros, dança, música, pintura, tudo pertence a um todo onde os livros sagrados são a fonte e a inspiração.

Nesta tarde em White Fields as crianças cantavam e nós acompanhávamos batendo o compasso.
Indra Devi estava recebendo novos alunos: 8 cegos fazendo yoga, respirando, relaxando, concentrando. Ela estava eufórica de poder ajudar os pobres e os cegos. Hoje iremos voltar a White Fields ver Sai Baba e assistir as aulas de Indra Devi.

Mamãe, cheguei à conclusão de que você vai adorar a Índia. Prepare-se, você está muito forte por dentro, tem muita vida, a cabeça é jovem. Não pode deixar de conhecer este país.
Um abraço saudoso, da filha,
Helena

*Fotos de arquivo e da internet

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segunda-feira, 10 de junho de 2019


CARTA A MÃE NAIR - NAS RUAS DE DELHI


Querida mamãe, filhos e netos
Estamos no Central Court Hotel, no centro de Delhi – depois de uma viagem demorada, com atraso por causa da neve em Nova York.

A chegada à Índia foi cansativa, com permanência de algumas horas em Frankfurt.
De início visualizamos um acampamento de pastores de búfalos ao lado do Red Fort . Ali o ser humano é da cor do búfalo e se veste também com roupas de um preto acinzentado, triste, pobre e sem cor. Lá dentro do Forte, a beleza tranqüila feita em tempos antigos, onde pudemos fotografar semelhanças com as decorações nossas do barroco. O barroco também nas sacadas e ruelas de Old Delhi, um pouco das origens de Ouro Preto na Índia.

Saímos com máquina à tiracolo, vendo detalhes através das lentes da Pentax. Havia greve no dia, os restaurantes estavam fechados, mas nas ruas o povo se atropelava à pé, de charrete, rickshaw – taxi, aquela vida intensiva e  barulhenta da Índia.

O movimento, a cor e o som caracterizam estas aglomerações não só da cidade antiga como da nova. À noite, luzes e sons novamente. Já não são aqueles que vimos no Red Fort quando chegamos, espetáculo turístico sobre a história da Índia – onde a gente sente o impacto das conquistas, das construções de mesquitas, das festas reais, dos haréns e jardins coloridos.

Agora o colorido é nas ruas à noite, devido à um casamento. Guardas vestidos de vermelho, banda de música, tablas, tambores, cornetas, homens dançando com outros homens, mulheres seguindo o cortejo vestidas de sáris fosforescentes – o noivo sobre um cavalo coberto com pedrarias.
Em Delhi os casamentos começam na rua e continuam nas barracas cobertas com tapetes persas e iluminadas com lâmpadas coloridas.
Ficamos paradas observando e acabamos também sendo convidadas para a festa, tendo de comer com pimenta um prato enorme cheio de variedades. E beber laranjada com sal.

Estou revendo coisas, observando fatos, anotando, relembrando.

Os estudos das origens do barroco continuam de pé. Hoje vamos nos encontrar com Fernando e Lucia Machado de Almeida e traçaremos juntos o roteiro da viagem. Talvez iremos seguir de trem via Agra, Jaipur, Mount Abul, Bombaim, Goa, Bangalore e Madras.
Ferola e Cláudia estão muito amigos. Observamos juntos as belezas da Índia.

Abraços saudosos,
Helena.

*Fotos de arquivo e da internet

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terça-feira, 4 de junho de 2019


CARTA PARA FREI ROSÁRIO


A carta abaixo dirigida ao Frei Rosário em 1996 é um documento do que ele aspirava realizar na Serra da Piedade: uma biblioteca ecumênica, reunindo os livros mais importantes das várias religiões do mundo. Resolvi publicá-la porque esses livros se destinam a todas as pessoas interessadas no assunto. Frei Rosário era uma pessoa muito à frente do seu tempo.

Belo Horizonte, 8 de setembro de 1996.

Frei Rosário,

Os livros que o senhor nos encomendou acabaram de chegar da Índia. Viajaram seis meses num navio cargueiro, reconquistando o caminho das Índias, como fizeram no passado os portugueses.

É de grande importância relatar todo o processo desta pesquisa , desde o incentivo que o senhor nos deu quando nos incumbiu de trazer para o Ocidente os livros sagrados da Índia. Neste momento as suas palavras nos chegam aos ouvidos:
“Gostaria de fazer da Serra da Piedade um centro de estudos para o Terceiro Milênio. Este lugar foi destinado por Deus para o encontro do Oriente com o Ocidente, um lugar de paz, longe do barulho das cidades, no alto das montanhas que cercam Belo Horizonte...”  Uma biblioteca ecumênica facilitaria o encontro com os vários caminhos espirituais.

Foi com muito respeito que nos dispusemos a cumprir nossa missão.

Seria uma contribuição para a humanidade  trazer a sabedoria do Oriente para o alto das montanhas de Minas Gerais, um trabalho de pesquisa ao qual nos dedicamos com muito amor e coragem.

Desde nossa chegada à Índia, nosso objetivo principal era encontrar os livros. Neste momento procuro rememorar os lances de nossas pesquisas e as dificuldades que encontramos no caminho.
De início indicaram-nos a cidade de Benares como a principal guardiã  desses livros sagrados.
Procuramos informações com professores da Universidade de Sânscrito, editores e filósofos, que se alegraram com a possibilidade de um padre católico se aproximar deles em busca de paz e harmonia.

Na Índia  as pessoas que se aprofundam nos estudos dos Vedas e Upanishads, são seres especiais próximos de Deus e da sabedoria universal.

Os padres católicos, mergulhados na contemplação, também encontram o mesmo estado de união com Deus.

Conduzidas por esse incentivo, seguimos caminho pelas estradas poeirentas da Índia, percorrendo os becos de Benares, mergulhando no meio da multidão que se acumula nas ruas, na hora do “rush”.
Tínhamos o endereço de uma editora  situada no meio da confusão de Benares. Passamos por bicicletas, charretes, tentando abrir caminho entre as pessoas, seguindo em frente  conduzidas pelo guia. Depois de meia hora de caminhada chegamos a uma casa alta, escura, livros empilhados nas estantes, lamparinas acesas. Perguntamos pelos livros. Encontramos os primeiros volumes de Bhagavad Gita, Upanishads, Vedas.
Como a editora tinha sede em Delhi deixamos para comprar a coleção na capital da Índia, talvez ali pudéssemos ter um pouco mais de conforto.

Em Delhi, com as indicações recebidas em Benares através dos editores e de um professor da Universidade de Sânscrito, reiniciamos nossa pesquisa. A editora de livros de filosofia da Índia ficava situada há uma hora de distância do centro da cidade, onde estávamos hospedadas.

Eliana embrenhou-se para dentro das salas onde os livros se empilhavam nas estantes. Fiquei na primeira sala, onde havia mais ventilação e menos poeira. Um grupo de crianças pobres nos esperava do lado de fora para receber algumas rúpias.
Entramos na livraria às 10 horas da manhã e só conseguimos sair às 2 da tarde, quando a fome apertou.
Eliana, acompanhada de Rajesh, um filósofo nosso amigo, chegou triunfante com a pilha de livros.

“Conseguimos todos os livros para a biblioteca da Serra da Piedade! Vai ser uma coisa maravilhosa essa biblioteca!”

A emoção de ter cumprido a tarefa para a qual fomos chamadas nos cobria de paz. Voltamos para o hotel em silêncio, deixando os livros com tudo pago para seguir viagem para o Brasil. Mais uma vez, a síntese Oriente – Ocidente nos chamava, ela vibrava dentro de nós.

“O Frei Rosário teve uma inspiração extraordinária! A Serra da Piedade será a guardiã de uma sabedoria que não se perde no decorrer de milênios.”

Agora que os livros chegaram sentimos alegria pela tarefa que pudemos cumprir na Índia, trazendo para Minas Gerais a contribuição de seus irmãos do Oriente.
Impossibilitados de comparecer pessoalmente por ocasião da entrega dos livros, deixamos Maurício como nosso intérprete e intermediário.

Ao Frei Rosário, de cuja intuição recebemos esta preciosa incumbência,deixamos nossos cumprimentos,

Maria Helena Andrés
Eliana Andrés

Observação: Recentemente fiquei sabendo que os livros comprados na Índia estão na biblioteca da PUC.

*Fotos de arquivo

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