terça-feira, 16 de abril de 2019

UM RETIRO NOS HIMALAIAS


Rodando de novo pelas estradas da Índia. Saímos às 7 da manhã em direção ao alto dos Himalaias. Marília Paleta queria chegar até a nascente, 3.500 metros acima do nível do mar. Resolvemos parar no meio da montanha, nalgum lugar de paz, sem ashrams (comunidades espiritualistas). No mapa da região estava marcado com cor amarela os lugares religiosos. Mas nossa peregrinação teria de parar não em lugares religiosos convencionais, mas nalgum lugar onde não houvesse conceitos, imposições, regras, apenas o silêncio e a voz da natureza. Olhei o mapa, parei com o dedo exato no meio do caminho entre Rishikesh e a nascente do Ganges. Lá estava escrito “Uttarkash” em letras azuis. 

Lembrei-me de que perto de Uttarkash existe um lugar de retiro da Fundação Krishnamurti. Lugar procurado por pessoas ligadas aos seus ensinamentos.
Ali não há lugar para pensamentos. Não existe um guru a reverenciar, reverenciamos a própria vida em movimento, o rio Ganges correndo lá embaixo cheio de pedras redondas, as montanhas protegendo o vale, as plantações de arroz dispostas em patamares como nos Andes. Himalaia e Andes são montanhas irmãs. Aqui o “agora” pode ser vivido em plenitude.

“O êxtase da solidão nos vem quando não estamos mais com medo de estarmos sós, não pertencendo ao mundo nem apegado a nada”, nos diz Krishnamurti em um de seus livros.

Aos poucos começo a sentir a beleza de estar só em silêncio. A beleza de não ter opinião formada sobre as coisas, nem desejar modificá-las. A mente humana está sempre querendo algo diferente do que é, e nesse desejo a beleza do “agora” se perde.

Foi preciso percorrer a Índia de ponta a ponta, observar com atenção os vários caminhos elaborados pela mente humana, para compreender a necessidade desta jornada para a reflexão. Não foi à toa que o meu dedo parou no mapa, guiado por uma energia invisível.

Naquele momento estava indicada a direção a tomar. E a direção é esta, um lugar de retiro e silêncio interior onde podemos estar à sós. Nada de desperdício de palavras. Quando queremos nos comunicar, escrevemos. Agora leio as palavras de Krishnamurti: “Este silêncio é o vazio, para onde todas as coisas fluem e de onde todas as coisas nascem”.

A chuva caiu de madrugada e definiu a nossa permanência aqui. Cada um de nós tem um bangalô particular e só nos reunimos para as refeições no restaurante ou quando assistimos os vídeos de Krishnamurti. (Trecho de meu Diário de viagens, 1990)

Fotos de Maria Helena Andrés e da internet

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Um comentário:

  1. Muito verdadeiro isto do silêncio ser fora, em contato com a natureza, mas também ser um "lugar" dentro, na ausência do pensamento. Pela descrição deste Retiro em Uttarkash, deu para respirar este silêncio potencializado, deu para sentir esta "beleza de não ter opinião formada sobre as coisas, nem desejar modificá-las. A mente humana está sempre querendo algo diferente do que é, e nesse desejo a beleza do 'agora' se perde." Me caiu como uma chuva isso: "Não existe um guru a reverenciar, reverenciamos a própria vida em movimento..." Deu pra ver Isto como o fim da peregrinação... O encontro com o êxtase da solidão, quando o medo termina.
    - Eu já tinha ouvido falar deste lugar de retiro em Uttarkash, que bom deu pra sentir um pouquinho do perfume dele através da descrição tanto do lugar fora quanto da vivência interior... Ficou perto. As palavras tiveram uma linda transparência!

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