Rodando de novo pelas estradas da Índia. Saímos às 7
da manhã em direção ao alto dos Himalaias. Marília Paleta queria chegar até a
nascente, 3.500 metros acima do nível do mar. Resolvemos parar no meio da
montanha, nalgum lugar de paz, sem ashrams (comunidades espiritualistas). No
mapa da região estava marcado com cor amarela os lugares religiosos. Mas nossa
peregrinação teria de parar não em lugares religiosos convencionais, mas nalgum
lugar onde não houvesse conceitos, imposições, regras, apenas o silêncio e a
voz da natureza. Olhei o mapa, parei com o dedo exato no meio do caminho entre
Rishikesh e a nascente do Ganges. Lá estava escrito “Uttarkash” em letras
azuis.
Lembrei-me de que perto de Uttarkash existe um lugar de retiro da Fundação
Krishnamurti. Lugar procurado por pessoas ligadas aos seus ensinamentos.
Ali não há lugar para pensamentos. Não existe um
guru a reverenciar, reverenciamos a própria vida em movimento, o rio Ganges
correndo lá embaixo cheio de pedras redondas, as montanhas protegendo o vale,
as plantações de arroz dispostas em patamares como nos Andes. Himalaia e Andes
são montanhas irmãs. Aqui o “agora” pode ser vivido em plenitude.
“O êxtase da solidão nos vem quando não estamos mais
com medo de estarmos sós, não pertencendo ao mundo nem apegado a nada”, nos diz
Krishnamurti em um de seus livros.
Aos poucos começo a sentir a beleza de estar só em
silêncio. A beleza de não ter opinião formada sobre as coisas, nem desejar
modificá-las. A mente humana está sempre querendo algo diferente do que é, e
nesse desejo a beleza do “agora” se perde.
Foi preciso percorrer a Índia de ponta a ponta,
observar com atenção os vários caminhos elaborados pela mente humana, para
compreender a necessidade desta jornada para a reflexão. Não foi à toa que o
meu dedo parou no mapa, guiado por uma energia invisível.
Naquele momento estava indicada a direção a tomar. E
a direção é esta, um lugar de retiro e silêncio interior onde podemos estar à
sós. Nada de desperdício de palavras. Quando queremos nos comunicar,
escrevemos. Agora leio as palavras de Krishnamurti: “Este silêncio é o vazio,
para onde todas as coisas fluem e de onde todas as coisas nascem”.
A chuva caiu de madrugada e definiu a nossa
permanência aqui. Cada um de nós tem um bangalô particular e só nos reunimos
para as refeições no restaurante ou quando assistimos os vídeos de
Krishnamurti. (Trecho de meu Diário de viagens, 1990)
Fotos de Maria Helena Andrés e da internet
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Muito verdadeiro isto do silêncio ser fora, em contato com a natureza, mas também ser um "lugar" dentro, na ausência do pensamento. Pela descrição deste Retiro em Uttarkash, deu para respirar este silêncio potencializado, deu para sentir esta "beleza de não ter opinião formada sobre as coisas, nem desejar modificá-las. A mente humana está sempre querendo algo diferente do que é, e nesse desejo a beleza do 'agora' se perde." Me caiu como uma chuva isso: "Não existe um guru a reverenciar, reverenciamos a própria vida em movimento..." Deu pra ver Isto como o fim da peregrinação... O encontro com o êxtase da solidão, quando o medo termina.
ResponderExcluir- Eu já tinha ouvido falar deste lugar de retiro em Uttarkash, que bom deu pra sentir um pouquinho do perfume dele através da descrição tanto do lugar fora quanto da vivência interior... Ficou perto. As palavras tiveram uma linda transparência!