domingo, 31 de outubro de 2021

JEQUITINHONHA VI

 




BURRINHOS

“De que vale a vida do interior

Sem o burrinho?

Somos gente pobre

Não temos carro.

Pode faltar petróleo,

Mas vamos

Andar montados.

Meu nome é Antonio de Assis

O biscateiro, faço de tudo.”

Pra que serve cangalha de burro?

“É por conta do balaio

Pra carregar as frutas.

Cada um tem seu burrinho

Que trabalha nas fazendas.

A semana inteira

Carregando madeira

Mandioca, cana

Para os patrões.”

Hoje é dia de sábado

Eles estão encostados

Na calçada, conversando baixinho.



BAIXA QUENTE

A rural da prefeita traz a turma

De artistas

Pra Baixa Quente.

Os homens vieram atrás

Na carroceria tomando pó.

E a cidade inteira

Corre pra nos acudir.

O interior é o mesmo

No mundo inteiro.

O mesmo comportamento.

Criança espiando curiosa,

A poeira no chão,

E o burrinho amarrado na cerca

Em frente à casa.

Lá na Índia eles tem

Sempre uma vaquinha,

Mas a atitude simples,

Do povo é a mesma.

Vem passando um porco

Se esfriando na água

Escorrida das casas.

Galinhas correm pelas ruas

Como na Índia.

Quanto mais sertão, mais Índia.

O homem é o mesmo

Em sua essência.

Não existe diferença.

A criança é a mesma

Esticadinha, faz pose

Para o fotógrafo.

Querem sair no retrato

E ver a cara depois.


*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.

sábado, 23 de outubro de 2021

JEQUITINHONHA V

 




PALHAÇOS

Aglomeração na praça

Radio Pam tocando

Anuncia a chegada

Do bando de artistas

A sensação é de se estar

Num circo ambulante.

Onde se chega há destaque

E muita admiração.

As crianças chegam logo.

“Nunca vi tanto menino

Sair desses buraco tudo...”

Os palhaços se reúnem

Pintando a cara.

Maquiagem no gramado

Sob olhares assombrados

Das crianças.


Vocês, crianças, que vivem

No mundo da fantasia,

Venham olhar os palhaços.

A cidade é um grande circo.

“O que é isto, Dona?”

Isto é gente de teatro.

“Uai, mas a gente não paga?”

Aqui não corre dinheiro,

Tudo é de graça mesmo.

É como o sol do poente,

Que a gente vê sem pagar

É como olhar para a lua

Que nos dá tanta alegria

Sem cobrar nenhum tostão.

A alegria dos palhaços

 E os dias de criação

São de graça.

Não se cobra

Para ver essas coisas, não.

IMAGINANDO VENDO REBOCOS



Dos rebocos de uma casa

Empilhados sobre o chão

Nascem caras de palhaços.

Das pedras do caminho

Vermelhinhas, redondinhas,

Escória de turmalinas,

Mil bonecos vão surgindo...

Criando a gente desperta

Para novas invenções.

E, quando as calamidades

Aparecem pela frente,

Sabemos como enfrentá-las

Sem ficar quieto, esperando

Que os outros pensem por nós.









 

*FOTOS DE PAULO JORDANO

*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

JEQUITINHONHA IV

 



 


ENCHENTES

Chamo Maria Madalena

Dias dos Santos

Não tenho casa”

Marias Madalenas

Quantas temos?

“A lama tampou a porta

Acertou pra dentro”

“Foi preciso subir em cima

Tirou tudo enlameado”

“Aí a gente entrou pra morar”

“Eu não tenho casa não.

Moro com meu irmão

Ele me emprestou a casa

Mas vem pra cá.”

“Deus me ajuda que eu dou

Providência,

Quando ele voltar”

A casa é boa

Repartidinha

E as panelas brilham

Nas prateleiras.

E há potes

Encostados nas paredes.

Minha casa, chuva derruba

E vim morar aqui com a irmã.

Fiquei aqui nesta garagem do bispo

Até Deus ajudar.

Foi no mês de fevereiro,

Minha casa foi inundada.

Eles queriam que nós

Morássemos no Mutirão.

Mas nós temos casa.

A nossa é lá no alto do morro.

Ave Maria, se a água

Vem ali e vem aqui!

 

MANIFESTAÇÕES POR FALTA D’ÁGUA



Há falta d’água nos bairros

São Jorge e Itatiaia

O povo nos encomenda

Cartazes reivindicando

O direito de ter água

E ter luz.

Combinamos sexta feira

Às 10 horas da manhã

Debaixo das mangueiras

Em frente à casa de Dona Ana.

Dona Ana é flagelada 

Mora dentro da garagem

Da diocese.

Chegamos com tinta e tudo,

Mas tivemos a surpresa

Que foi a grande tristeza

Do pessoal do teatro.

Pois as roupas dos artistas

Maquiagem e máscaras

Viajaram por engano

Para outra cidade.

Seguiram dentro de um saco

No jipe da prefeitura

Com Melão e com Leri.

Mas criança sabe logo

Inventar a solução

Criou-se um grande palhaço

Pra consolar o Dedão.

A vida é um grande teatro

E as surpresas aparecem

De repente.

Temos de achar soluções

De maneira independente

Dos planos que fizemos.

Não fique triste, Meleca

Nem caroço, nem Dedão.

E falem pro Boca Roxa

Que a “melhor cousa do

Mundo é ser palhaço.”

Cantemos juntos, de mãos dadas

Uma canção bem alegre.

Porque hoje a meninada

Comemora e agradece.

Pedem todos, insistentes:

“Fique aqui, não vá embora...

Temos muito a improvisar

Dentro dos nossos recursos

De criar.”

Hoje vamos ajudar

Nosso bairro a pedir água

E no sábado que vem

Correremos a cidade

Carregando os cartazes

E cantando em procissão.

Então lembraremos

De todos vocês,

Do Meleca, Boca Roxa,

Do Caroço e do Dedão.

Pois as crianças deste bairro

Foram as primeiras

A aplaudir os palhaços

Quando eles

Desceram as ruas

De caminhão.

(Sábado teremos de novo

Os palhaços

Na praça de Araçuaí

Para a manhã de despedida).


*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.

 




sábado, 9 de outubro de 2021

JEQUITINHONHA III

 



Crianças desenhando

Agora , as crianças desenham

Debruçadas sobre o chão,

Esfregando lápis cera

No papel.

E, em vez de surgirem pedras,

Surgem estrelas do céu.

Elas descobrem criando,

Que a Terra e o Céu se assemelham.

Para elas, o espaço,

É muito maior do que um teto.

Não moram em apartamentos,

Nem sobem de elevador.

Não ganham brinquedos prontos,

Comprados no “Shopping Center”,

Mas tudo vira brinquedo.

É só começar.




ILUSTRAÇÕES E FOTOS DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

JEQUITINHONHA II

 




Diamantina III

Vejo anjos coloridos,

bailarinas de luz,

vejo crianças sorrindo,

como os artistas,

descendo as ladeiras,

de Diamantina.

Os devas das montanhas

Se esconderam

Nas muralhas

Da cidade.

Ninguém os vê

Mas de noite

Eles saem

E tocam

Serestas

Até o dia raiar.




*ILUSTRAÇÕES E FOTOS DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA

 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

JEQUITINHONHA I

 

Hoje descobri, no meio dos meus guardados, algumas pranchas desenhadas, com textos referentes a uma viagem organizada pelo artista Paulo Laender com um grupo de artistas pelo Vale do Jequitinhonha.

Fui convidada a participar do grupo. Eu acabava de chegar de uma longa viagem à Índia e o Vale do Jequitinhonha me pareceu muito semelhante ao que pude sentir na minha viagem para o outro lado do mundo.

Viajar com o objetivo de colher semelhanças entre os povos da Terra, me pareceu muito importante.

Unir o Oriente ao Ocidente era o meu objetivo logo que cheguei da Índia.

Além disto ainda favorecia o fato de que o Serro, terra de meu pai, estar situado no Vale do Jequitinhonha.

Abaixo estão alguns textos  em forma poética, escritos na época, 1978, com alguns desenhos originais.



Diamantina I

Diamantina.

Lua cheia,

Brilho nas

Pedras do chão,

Frio, umidade,

Serestas.

O ônibus seguiu

Com os outros.

Ficamos,

Porque a cidade

Nos chamou.

 


Diamantina II

O tempo se esconde

Atrás das janelas

De Diamantina.

Anjos azuis

Tocam,

Os portais coloniais.

De onde vem esta alegria,

Entrando em sintonia,

Com a vibração

De sons e cores,

De música e pintura,

E dança e poesia,

Tudo junto?



*FOTOS E ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.




 

sábado, 28 de agosto de 2021

RETIRO-ME

 


Recebi de Ivana Andrés o poema abaixo sobre o Retiro das Pedras.



"Num aparente clima de renúncia, ausência ou isenção, retiro-me

O caminho então se  faz, o caminho da ação e o caminho da inação.

Num estado que vai além, muito além,

Do que é dividido, além da própria  divisão, retiro-me.

Entre atividade e reação, entre sonho e contemplação

Em união com algo indefinível, inominável, retiro-me.


Entre pedras e montanhas, retiro-me e viajo

 Paisagens mostram formidáveis mutações.

E vejo nuvens colossais virarem gotas prateadas,

Véus finos de água oscilarem, flutuarem, quase voarem.



Escondendo e mostrando a paisagem até tudo virar cinza.

Cinza escuro, cinza claro, cinza rosado, cinza violáceo.

Vasta teia de aranha que o vento vai deixando de estremecer,

Vai deixando de tecer o momento, o movimento, a ação,

Para se tornar sol poente, em mil arco-íris sobre montanhas,



Em mil e uma faces que se alternam e se repetem.

Desvestem suas capas de nuvens, de luzes e de sombras

E vestem mantos de veludo escuros, salpicados de lua e de estrelas." (Ivana Andrés)

*FOTOS DE MARIA HELENA ANDRÉS

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.