sexta-feira, 20 de dezembro de 2013


DANÇA DAS MARÉS

A arte, num reencontro feliz de ética com estética, busca a reeducação do ser humano nos diversos setores da sociedade. Escolhe os menos favorecidos como ponto de referência e alarga os seus horizontes para dimensões maiores. Busca os espaços onde a violência é uma constante, ali levanta o seu estandarte de paz. Exemplo disto é o espetáculo de dança e música dirigido pelo coreógrafo paulista Ivaldo Bertazzo. Ele foi apresentado no SESC Tijuca, no Rio de Janeiro em parceria com o grupo UAKTI de Belo Horizonte.
A Dança das Marés foi inspirada na dança Kathakali, original do estado de Kerala, no sul da Índia. Ivaldo Bertazzo é estudioso da filosofia da Índia e de lá trouxe inspiração para essa coreografia. Na Índia, as apresentações de dança são acompanhadas ao vivo por um conjunto musical. Para esse projeto foram convidados dois mestres músicos da Índia a fim de orientar os jovens: um tocador de tabla e uma dançarina indiana de Kathakali, que permaneceram dois meses no Brasil. A dança da Índia expressa simbolicamente o desejo da alma individual de alcançar a Unidade com o infinito, ou a alma do Universo. Através da música e da dança, esse objetivo é alcançado e o estado de Ananda, ou Bem-aventurança, vivenciado pelo dançarino ou o musico, é transmitido à platéia.
No SESC Tijuca foi armado um palco semicircular, todo em tons de terra. O público, assentado nas arquibancadas, estava também dentro do imenso palco. Um tapete esticado no chão dava passagem para o público que subia os degraus da arquibancada, lotando o anfiteatro. Observamos o espaço, a sobriedade de recursos usada pelo cenógrafo, a iluminação e o núcleo reservado aos músicos, com os instrumentos do grupo UAKTI arranjados como uma instalação. No centro do palco, uma bola dourada se mantinha suspensa por um cordão de aço, como um enorme pêndulo reluzente. A dança seguia o ritmo dos tambores e flautas, harmonizando os passos com os sons dos instrumentos criados com tubos e marimbas. A Dança das Marés, com seus jovens componentes que moravam na favela da Maré, no Rio de Janeiro, nos fazia refletir sobre o papel da arte neste princípio de milênio.
A função da arte em sua essência é a transformação do ser humano. Essa transformação é obtida no próprio exercício da arte, no movimento que conduz o corpo de forma harmoniosa ao encontro de seu próprio self. Os iogues se tornam um com o universo através da meditação. Os músicos e dançarinos também realizam essa união, conjugando o movimento do corpo com a vibração do som. O encontro do Oriente com o Ocidente, que veio se processando de forma acelerada no final do século XX, tem agora a grande possibilidade de realizar a síntese planetária.
Fotos da internet

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quarta-feira, 27 de novembro de 2013


ARTE E EVOLUÇÃO HUMANA NA VISÃO DE SRI AUROBINDO

Em 1979, visitei  uma comunidade na Índia cujo modo de viver tem atraído pessoas no mundo interior. Seu fundador, Sri Aurobindo, foi o pensador oriental que mais se aproximou de nossa civilização. Procurava um entrosamento das idéias espiritualistas do Oriente com o dinamismo progressista do ocidente. Sua filosofia, baseada na evolução, prevê a transformação do homem acreditando que “por detrás da inteligência existe em todo o ser humano outra ordem de consciência ainda oculta, que espera o momento de surgir.”
A insatisfação do homem, seu desejo de progredir, é uma prova disto. Essa sede de progresso que nos impulsiona para a evolução não se prende apenas ao raciocínio lógico, mas o ultrapassa. A evolução, processada anteriormente pelas forças da natureza, seria realizada agora conscientemente, no próprio homem, através de praticas, exercícios e o desenvolvimento e suas energia internas.
Tendo sido educado na Europa e conhecendo bem a civilização ocidental, Sri Aurobindo  considerava impossível dominarmos as conquistas da ciência e da técnica sem a ajuda de um poder maior do que a inteligência. O desenvolvimento interior através da ioga integral viria despertar nossas potencialidades adormecidas, conduzindo-as à ação. A busca e a educação dessas energias existentes em todo o ser humano são formas de atividade que identificam a filosofia do mestre. Tornar consciente o que está inativo e forçá-lo a atuar, despertar, discernir, desapegar-se, agir, purificar-se e evoluir. A transformação se realizaria inicialmente em cada pessoa que já estivesse preparada, mais tarde atingindo a todos. Essa evolução para um plano mais alto de existência se efetuaria normalmente através do desenvolvimento das aptidões de cada um, considerando-se que o trabalho feito com amor conduz ao aperfeiçoamento da pessoa. Qualquer forma de atividade pode ser considerada veículo de evolução. O trabalho assim realizado prevê a ajuda mutua e o espírito comunitário. O trabalho feito com idealismo transforma e purifica o homem. A vocação já é o chamado para a evolução. Bloqueá-la significa atraso.
A criatividade também ajuda a despertar as energias interiores. Através dela, usamos a intuição que nos conduzirá à descoberta da realidade interna. O exercício da criatividade, em todos os seus aspectos - científicos, filosóficos, artísticos - ajuda em nossa integração, conduzindo-nos a planos mais altos. É necessário despertá-la por meio da arte na educação e do incentivo aos artistas e pesquisadores. Mas a evolução exige o aperfeiçoamento total do homem. Baseado nisso, Sri Aurobindo incentivou o esporte, acreditando que o corpo deveria se fortalecer para ajudar na transformação espiritual que se processaria através dele. Suas idéias unificam matéria e espírito. O progresso tecnológico avança, impulsionado por outras forças que ultrapassam as dimensões da inteligência e do raciocínio lógico. Dentro desse impulso totalizante e unificador, o homem crescerá para a sua evolução.
A experiência comunitária de Sri Aurobindo apoiada pela UNESCO traz-nos a mensagem de esperança. Suas idéias, aliando a agudeza do ocidente com a iluminação do oriente, conduzem-nos a reflexão. Nossas forças também poderão ser dirigidas e transformadas para que o homem do futuro possa encontrar uma humanidade melhor.

*Fotos de Maurício Andrés e da internet

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quarta-feira, 13 de novembro de 2013


NEPAL

 Estou no Nepal. O céu muito azul, montanhas circundando a cidade, lembrando Minas Gerais, Belo Horizonte, Ouro Preto, Retiro das Pedras. O mesmo céu, a mesma situação geográfica. 4000 pés acima do nível do mar. No inverno há neve e gelo, estamos no verão na Índia, 40 ° em Madras de onde saí. Aqui a temperatura é agradável e a altitude me pôs de cama o primeiro dia. Há hippies nos bairros da cidade, na zona comercial. Aqui é o bairro dos grande hotéis, do palácio real. Meu hotel é modesto, parece uma fazendinha. Acordo com os passarinhos cantando, com os galos anunciando um novo dia. Tenho de sair de casa para almoçar e jantar. Desço as ruas até o restaurante chinês. No caminho observo as casas, as varandinhas de madeira, as janelas de grade, antigas, os compartimentos pequeninos onde os nepalenses fazem seu comércio, seus negócios. Lembra Ouro Preto, mas também a China, o Japão. Os pagodes chineses vieram daqui e do Tibet. O estilo arquitetônico dos pagodes começou nos himalaias, berço da arte, cultura, civilização , costumes, religião. As caras dos nepalenses lembram os peruanos, bolivianos, mas também aquele olhinho puxado dos chineses. O mundo é realmente uma unidade e o planeta terra neste universo de estrelas não pode ter a pretensão de se dividir. Somos na realidade uma só e única família. Sentimos isto nas fisionomias, no jeito de ser; os nepalenses residem em lugares montanhosos, os peruanos também. Carregam seus filhos nas costas, enrolam panos na cintura para carregar pertences (nada de bolsas ocidentais). Os sáris não têm a graça dos indianos, são sóbrios, sem bordados. As comidas tem influência chinesa e tibetana. Vejo os costumes chineses de carregar mercadoria – muito prático – um pedaço de bambu e dois cestos, cada um de um lado, presos nas pontas por cordas. A idéia é ótima, porque o corpo não carrega o peso todo, não traz problemas de coluna. Seria uma ótima idéia se fosse adotado nas fazendas brasileiras. Como tudo nasceu nas montanhas, fico achando que muitos dos costumes chineses não são chineses, mas nepalenses. Às vezes vejo carinhas de brasileiros, do Paixão, do Juscelino... Meu dentista (tive de arrumar um) é a cara do Juscelino. Deve ser bom, pois é o dentista do Rei. Estudou em Londres e não acredita em homeopatia. Fui dizendo “Tive um problema, um abscesso, cuidei com homeopatia”. “Para abscesso? Só antibiótico!”
No dia seguinte cheguei com as radiografias, antes e depois. Ele examinou, olhou... “Sarou, não tem nada.”
Hoje vou correr os mosteiros. A paz de Buda é diferente, Buda é um estado de consciência que os ocidentais chamam de intuição. Para entrar nele só transcendendo o ego e o intelecto , os conceitos, teorias, fórmulas. Sair da forma e entrar na essência – sabedoria, caminho do meio, equilíbrio corpo, mente, espírito. Somos uma só unidade. Enquanto nos dividimos, sofremos. Para crescer é preciso estar só, sentir-se só... Até que a gente percebe que não está só. Que o mundo inteiro é irmão, não existem fronteiras, divisões, separações. As caras são iguais, um sorriso, quando sorrimos estamos felizes. Por que não sorrir sempre para tudo e todos? Buda recomenda sorrir na meditação.
A rua está cheia de gente passando. Estou em Anapurna, bairro hippie. Há gente de toda parte do mundo.

*Fotos da internet


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terça-feira, 29 de outubro de 2013


ITRI

Dando continuidade aos relatos de viagem à Itália, pedi a colaboração de Ivana, que selecionou de seu diário de viagem, um depoimento sobre a nossa passagem a Itri, situada no sul da Itália, perto de Nápoles.

“Na estação terminal de Roma todos os trens são completamente pichados, pichações enormes que integram as que devem aparecer nos muros da cidade. O trem que irá nos deixar em Formia acaba de sair de Roma. Nos arredores se vêm ruínas, arcos que se estendem por quilômetros, muros, colunas de antigas construções. Por todo lado existem o que eles por aqui chamam de ruínas romanas. Até dentro das casas existem pedaços de cerâmica, como souvenirs, curiosidades. À medida que o trem avança, se vêm outras ruínas: os cemitérios de automóveis, empilhados como brinquedos quebrados.

Hoje pela manhã fui sozinha à praia. O sol lançava um brilho forte sobre o mar e sobre centenas de seixos da praia. Os poucos transeuntes eram todos homens, vestidos com jaquetas e sapatos, inclusive os poucos que tomavam sol não usavam roupa de banho, queimando apenas o rosto. Senti que, por incrível que pareça, mesmo estando em plena Europa, escandalizei com o meu short e biquíni.  

Cazilda, Stéfano e seu filho Giuseppe, de 10 anos, vieram nos buscar na Estação de Formia. Situada a 100 km de Nápoles, Formia é uma cidadezinha à beira mar com seu cais e suas ruelas medievais. Depois de uns 25 minutos rodeando montanhas e vales, chegamos à casa de campo onde eles moram. A casa tem 3 andares: sala e cozinha embaixo, 3 quartos no segundo andar e um mezanino cheio de colchões e camas onde, em dia de festa se ajeita muita gente. Por sinal parece que festas por aqui acontecem sempre. Depois de um jantar super gostoso, apareceram 2 amigos, um músico e um poeta, para ensaiar um espetáculo. Estão naquela fase de experimentação onde vale tudo, idéias as mais loucas são jogadas na roda e todo mundo improvisa.  Acordeon, pandeiro, reco-reco, chocalho na latinha de arroz e a fantástica zanphonia do Stéfano acompanhavam Cazilda tocando seu pífano. A zanphonia é um instrumento medieval que se vê, nos quadros de Brueguel, sendo tocada em tabernas. Ela tem, ao lado de um feixe de 4 sopros de madeira, uma enorme bolsa de couro que se enche de ar parecendo um bichinho vivo. O som é possante e abafa facilmente outros instrumentos a não ser instrumentos de sopro bem agudos como o pífano. A origem desses instrumentos remonta aos pastores italianos  que, durante a época de Natal, saíam às ruas. Stéfano e Cazilda, resgatando esta tradição, têm tido no final do ano, muito trabalho e uma boa resposta do público. Querem criar agora espetáculos alternativos para o resto do ano e esta parceria com músicos e poetas locais poderá ser interessante. Romano, o poeta, iniciava sua interpretação no dialeto Itri, o que nos dava uma sensação de estranhamento e fascínio diante de uma língua nova. De repente entrava o acordeon de Ensor, o músico, pessoa super expressiva e brincalhona, acompanhado pelo pífano de Cazilda. Stéfano abafava todos os sons com sua zanphonia possante e grave. Súbito Giuseppe surpreendia a todos tirando não sei de onde um reco-reco de bambu que fazia uma algazarra dos diabos. Eu e minha mãe ríamos deliciadas com aquela “casa de loucos” que é a casa dos artistas. Sei apenas que, em poucas horas brincamos com músicas de várias épocas e lugares, indo desde o canto de mantras até o carnaval, regado à legítima cachaça brasileira.” (Ivana Andrés, Viagem à Itália, ano 2000)

*Fotos da internet

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domingo, 6 de outubro de 2013


UMA VIAGEM À TOSCANA

Recebi de Maurício Andrés o relato abaixo, sobre recente viagem à região de Toscana, na Itália.

“Visitamos Teresa e Alberto em Vico D’Elsa, uma das muitas pequenas cidades situadas em topos de morro no vale do rio Elsa, na Toscana.
Com eles passeamos em pequenos burgos medievais nas redondezas, tais como San Gimignano, com suas seis torres altas; e Certaldo, onde havia um festival de comidas ecológicas. Na Itália é muito forte o movimento pelo alimento quilometro zero, o que significa a produção e o consumo de alimentos produzidos localmente, sem transportes a grandes distâncias.  Provam-se e comercializam-se de queijos, de azeites, de vinhos produzidos nas redondezas com métodos naturais da agricultura orgânica, sem uso de agrotóxicos ou de transgênicos.
A região era passagem dos peregrinos que vinham da catedral de Canterbury, na Inglaterra, bem como de toda a Europa, para Roma e dali seguiam para Jerusalém. A via Francigena, com mais de dois mil quilômetros, era o caminho que percorriam. Ao longo dela há muitos lugares de pouso para os peregrinos, tais como Monteriggione.Uma menção especial merece Siena, com suas construções ocres e marrons, sua praça em forma de uma concha onde todas as linhas convergem para um bueiro de drenagem e onde se realiza duas vezes por ano a festa do Palio, com corridas de cavalos e disputas entre as várias partes da cidade. A catedral de Siena, com seu piso em mármore totalmente trabalhado com motivos figurativos e geométricos é um espetáculo à parte.

Poggibonsi é a parada de trem nas imediações. Fomos e voltamos de trem de Florença e no verso da passagem há informações sobre como o viajante no trem emite menos gases de efeito estufa do que quando se viaja de avião. É um modo de transporte econômico, ecológico, agradável, contempla-se a paisagem.
A Toscana, e especialmente o seu relevo e geomorfologia, se parece com a paisagem dos campos das Vertentes em Minas Gerais, a Toscana brasileira. A vegetação é diferente, pois lá tudo é muito cultivado com uvas para o vinho ou com oliveiras para a produção do azeite. O gado é confinado e alimentado com feno.
A paisagem é muito bonita e os céus são cortados por muitos rastros de aviões, pois ali é uma rota aérea muito usada. Nos telhados das casas centenárias, antenas e parabólicas nos lembram de que estão conectadas com o mundo globalizado.

Havia muitas guerras entre as cidades, como por exemplo, as que ocorreram entre Florença e Siena. Os burgos medievais têm controles de segurança, com muros fortificados e fossos. São semelhantes, nesse quesito de segurança, aos condomínios existentes nas cidades brasileiras, eletronicamente vigiados e procuram proteger os moradores dos perigos do ambiente externo.

A Itália é densamente habitada, com 192 habitantes por quilometro quadrado (A Itália tem metade do tamanho de Minas Gerais e uma população quase 4 vezes maior). O Brasil é oito vezes menos denso, com 23hab/km2. No passado, uma das maneiras de reduzir essa densidade foi por meio das emigrações de italianos para o Brasil, os EUA e outras partes. Outro caminho era por meio das guerras ou das pestes como a que afetou Florença nos anos 1350. Muitos países europeus se apropriaram de recursos das colônias para se sustentarem. Hoje, os descendentes dos povos colonizados retornam para os países que os colonizaram. Se os empregos não vão para onde estão as pessoas, elas vão para onde se encontram os empregos, já observou um conhecido demógrafo.”

Fotos de Maurício Andrés

1)     Alberto e Teresa observam a paisagem da Toscana, semelhante à dos Campos das Vertentes em Minas Gerais.
2)     Catedral de Siena
3)     Interior da Catedral
4)     Praça principal de Siena
5)     Vico d’Elsa – casa de Teresa e Alberto, no térreo, com figueira no quintal
6)     Monteriggione
7)     San Gimignano
8)     Vico D’Elsa – vista da Toscana

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domingo, 22 de setembro de 2013


DUAS ARTISTAS UNIDAS NO TEMPO

Escrevo da varanda de minha casa escutando os passarinhos que chegam saudando esta manhã de sol. Ao meu lado, dois livros de arte descrevem a presença das mulheres nos movimentos que surgiram nos séculos XX e XXI.
Escutar a voz destas mulheres é importante para esclarecer a história e clarificar caminhos semelhantes ou contraditórios.
Tomei como exemplo duas artistas que viveram em épocas distantes mas se unem no espaço e tempo com formas e pensamentos semelhantes. São elas: Sonia Delaunay e Beatriz Milhazes.
“Não sei como definir minha pintura, o que não acho ruim, porque desconfio de classificações e categorizações. Como e por que definir algo que vem de dentro de nós?” Estas palavras de Sonia Delaunay esclarecem muitas vezes o que nós artistas sentimos quando realizamos um quadro, um desenho, uma escultura. O que parte do sentimento, da emoção, da alma, dificilmente pode ser definido. Sonia Delaunay participou da vanguarda russa, casou-se com Roberto Delaunay, radicou-se em Paris durante a revolução russa. Mas em seus quadros abstratos, ligados ao construtivismo, as curvas sinuosas sugerem o movimento das danças da Ucrânia, sua terra natal.
“Lembro-me dos casamentos dos camponeses na minha terra, em que os vestidos vermelhos e verdes, enfeitados com muitos laços, balançavam durante a dança.”
Agora voltemos à outra exposição que está, no momento ocupando um espaço no Sesc Paladium. Beatriz Milhazes é uma referência do movimento denominado “Geração 80”, uma artista que se firmou no plano internacional como uma representante brasileira: o Brasil do carnaval, dos desfiles das escolas de samba, do movimento das danças.
Sonia Delaunay se refere às danças ucranianas, Beatriz Milhazes registra as danças carnavalescas. Em suas telas e serigrafias sentimos a movimentação das cores em ritmo contido pelas origens construtivas da artista. O construtivismo brasileiro está contido como base estrutural de suas serigrafias, expostos em Belo Horizonte. Sonia Delaunay, ao mesmo tempo, ocupa uma sala no CCBB da Praça da Liberdade, integrando a exposição “Elles, mulheres artistas na coleção do Centro Pompidou”. Os depoimentos de ambas são testemunhos de que duas terras tão distantes podem se tornar próximas através das manifestações artísticas.

*Fotos de arquivo

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sexta-feira, 30 de agosto de 2013


VENEZA, CAMINHOS DE ÁGUA

Minha neta, Alice Andrés, me enviou o texto abaixo sobre Veneza, onde residiu por 6 meses:
“Ruas feitas de águas encantadas, de um tom de verde que não se vê em nenhuma caixa de lápis de cor. Prédios recheados de história e sonhos. Ar cheio de mistério e de promessas. Luz inigualável. Pessoas atemporais. Veneza é uma cidade sem igual.

À primeira vista, Veneza parece um grande formigueiro de turistas - gente de todo o mundo e de todos os tempos, que busca em dois ou três dias desvendá-la. Correm de um lado para o outro, percorrem o circuito turístico Praça de São Marcos - Rialto - Biennale - Murano, tomam um Bellini no Harry's Bar ou um Spritz no Campo Santa Margherita, ouvem o gondoleiro de blusa listrada cantar, fotografam toda a superfície da cidade. Tudo é lindo, e vale a pena.

Mas é quando o olhar se acostuma ao cenário, que Veneza se revela e nos faz ver que somos muitos, mas somos um. Perdemo-nos por suas ruas - as de água e as de pedra - e, de madrugada, no inverno, quando a cidade dorme e está esvaziada de turistas, vemos que essa é uma cena que se repete através dos tempos, e que confirma a nossa coerência e humanidade.

É nesse momento que se consegue vislumbrar e compreender a história, os mistérios, os encantos, as promessas e a luz dessa cidade, e também nossa história, mistérios, encantos, promessas e luz. Cada viagem de qualquer ocidental à China remete às aventuras de Marco Polo na corte de Kublai Khan. Cada moeda trocada hoje remete ao sistema capitalista influenciado em grande medida por essa cidade, que foi uma das principais capitais comerciais do mundo. É nela que, olhando para a Praça de São Marco, poderíamos também proferir a frase de Napoleão Bonaparte, que a chamou de sala de estar da Europa. É ali que mesmo os mais céticos se curvam diante da magia da presença dos restos mortais de São Marcos e das pedras onde caminharam papas e pecadores. É onde se coloca e se tira a máscara. É quando se sente que, com toda aquela beleza e inspiração, fica claro porque VIvaldi pôde compor o que compôs. É quando se percebe a presença de promessas de amor repetidas através dos tempos, e a busca incessante pela perpetuação e materialização dos sonhos. É ali que se vê a mesma dependência - e, mais importante que isso, reverência - que lugares tão distantes como Veneza e Amazônia podem compartilhar por seus caminhos de água.

Somos muitos e somos um, e Veneza materializa isso.

*Fotos de Alice Andrés


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sexta-feira, 9 de agosto de 2013


CASAMENTO DE TERESA E ALBERTO

Sentada num banco reservado à avó, fico esperando a entrada da noiva. Teresa é a minha neta mais velha,está se casando agora em Entre Rios de Minas, repetindo a cena de seus pais em 1979 e de seu irmão Roberto à poucos anos atrás. Nada de marcha nupcial e cortejo pelo corredor da Igreja. A nave central é a própria paisagem que se descortina à nossa frente. Tudo fica dourado quando o poente se aproxima em seu silêncio protetor. E hoje, diante de um pequeno altar improvisado, um casamento está sendo realizado. A noiva vem subindo o morro, toda de branco, com um buquê de flores nas mãos, de braço com seu noivo, Alberto.
A simplicidade da cerimônia é emocionante, e é com lágrimas nos olhos que escutamos a flauta do Artur tocando a música “Bachianas” de Villa Lobos.
Teresa e Alberto casaram-se no civil em abril, em Toscana, na Itália, e hoje estão celebrando a benção religiosa da Igreja Católica, na fazenda Luiziania, em Entre Rios.
A história de Teresa merece ser contada: Teresa deixou o Brasil há exatamente um ano, levando uma mochila  às costas. Seguia para a Itália como pesquisadora do nutricionismo italiano nas pequenas fazendas daquele país. Acompanhamos seu blog, cheio de peripécias e situações imprevistas. E foi numa dessas situações não programadas que ela conheceu Alberto, com quem está se casando. Uma festa em Siena, dentro de uma escola antroposófica marcou para sempre o destino deste jovem casal.
Alberto veio ao Brasil por ocasião do Natal e combinaram o casamento na Itália para abril.
Acompanhei todos os passos dessa história de amor programada pela vida.
Agora acompanho a festa na roça, igual ao meu quadro “Casamento na Roça” pintado na década de 1950. Este quadro já está ficando famoso, pois participou do 3° Festival de Inverno de Entre Rios, já foi impresso em camisetas, cartões e “banners”.
Casamento na roça é isto que está acontecendo no momento: bandeiras brancas amarradas no poste de bambu, fogueira junina, pratos típicos feitos em casa, 2 barris de chope, sucos variados.
Enquanto a fogueira crepita em frente à casa,os seresteiros tocam música dançante.
Aqui se reuniram filhos, netos,bisnetos,sobrinhos,irmãos e a sociedade de Entre Rios, muito ligada à esta filha da terra,que irá morar em outra terra, falando outra língua.
Tudo aconteceu tão rápido, que a gente custa a crer, parece um conto de fadas!...
Teresa se casou num castelo em Toscana (a prefeitura é um castelo) e agora se casa no religioso nesta tarde luminosa de sábado, abençoada pelos anjos protetores que reconduziram seu destino.
Aos noivos, todo o meu carinho e os votos de felicidades.
Na década de 50, eu costumava escrever versos. Um deles está transcrito abaixo:

NOIVA DA MADRUGADA
A noiva toda de branco
Vem subindo aquela escada
Vem subindo de mansinho
Toda de branco enfeitada
Os sinos tocam
Quem sobe?
É a noiva da madrugada
É a manhã despertando
Disfarçada em noiva branca.

*Fotos de Maurício Andrés


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segunda-feira, 22 de julho de 2013


DUAS CASAS, DOIS ESCULTORES

Quando a família se mudou para o castelinho, papai alugou a casa de baixo onde eu nasci, para a sogra de um jovem escultor. Enquanto ela usava a máquina de costura na parte de cima da casa, o escultor modelava a argila em seu atelier situado no porão. Da minha janela eu podia ver os moldes de uma escultura figurativa saindo das mãos de um grande artista – o jovem escultor era Franz Weissmann, que mais tarde se tornou um dos maiores nomes da escultura brasileira. Naquela época, década de 40, ele ainda não era famoso, mas sua presença ali na casa onde eu sempre vivera, me mostrava um caminho novo para a arte – o caminho do tridimensional. Nunca fui aluna de Weissmann, mas por uma coincidência , ele foi inquilino de meu pai e meu vizinho.

Franz Weissmann foi professor da Escola Guignard e deixou inúmeros seguidores. Depois foi morar no Rio, andava a pé no calçadão, fez parte de movimentos concretistas, ganhou prêmio de viagem e chegou a conhecer a Índia.
Minha viagens à Índia eram o ponto de referência para nossas conversas. Ninguém consegue esquecer uma viagem à Índia, me dizia ele.

Lembrava-me de Varanasi e do impacto que o forno crematório lhe causou.
Weissmann, com suas esculturas, atravessou as fronteiras do Brasil.

Nas minhas memórias da casa de papai o Franz deixou sua vibração de um escultor que nunca será esquecido.

Seguindo os passos da escultura em Minas, lembro-me de outro artista, Amílcar de Castro, que também morou numa casa onde eu freqüentava quando era criança. A casa do meu avô na confluência da rua Cláudio Manoel com Piauí.
A casa foi vendida quando meu avô se transferiu para o Rio na década de 20. Lembro-me daquela construção antiga, com paisagem pintada na varanda, um jardim construído geometricamente. Ali, naquela casa de corredores compridos, quartos estreitos à moda antiga, foi criado o meu colega e amigo Amílcar.

Ele morou naquela casa e ali conheceu Dorcília, que morava em frente e que mais tarde se tornou sua esposa. O pai de Amílcar era Juiz de Direito no interior de Minas e Amílcar também estudou e se formou em direito. Conheci-o na Escola de Belas Artes na década de 40, quando Guignard dava aulas no parque. Naquela época, Amílcar já demonstrava inclinação para o desenho e a escultura. Aprendemos com Guignard a usar a linha contínua, como forma de busca do essencial no desenho, sem enfeites. Escolhi como base o desenho de linha contínua, que me permitia eliminar o supérfluo. As lições do mestre Guignard eram uma bússola no campo da simplificação da forma. A busca da Essência era necessária na arte e na vida.
Na arte era o caminho para o concretismo. Dentro do concretismo, Amilcar pesquisou o tridimensional, participou do movimento concretista no Rio de Janeiro, foi paginador do Jornal do Brasil, ganhou o prêmio Guggenheim, morou 3 anos nos Estados Unidos. Encontrei-o em 1973 na Escola de Belas Artes Guignard, onde era professor de expressão tridimensional, tendo marcado sua presença como professor e continuador da obra de Guignard.
O incentivo dado aos seus alunos, ele,generosamente o distribuía também aos colegas. Transcrevo as palavras de Amílcar, que me ajudaram a prosseguir no meu caminho de cores, antes de iniciar o tridimensional.
“O desenho é fundamento, uma maneira de pensar. E pensar, em arte, é desenhar, porque sem desenho não há nada. Existem outros escultores que fazem esculturas sem desenhar. Eu não sei fazer nada sem desenhar.”

As minhas esculturas, realizadas a partir de 2004, aconteceram após a morte de Amílcar. Porém elas já estavam contidas no desenho, geométrico, realizado na década de 50.

Transcrevo aqui a dedicatória que Amílcar escreveu por ocasião do lançamento do seu livro “Circuito Atelier” (Editora C/ARTE, BH, MG)

“À minha queridíssima Maria Helena Andrés, pintora magnífica, com um abraço do eterno admirador,
Amílcar de Castro
30/10/99”

*Fotos da internet

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