Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
O GURU
Perto de Rajgath existe um vilarejo. Fomos visitá-lo depois do jantar
acompanhando aquela americana alta que está no Krishnamurti Foundation. Ela só
aparece nas horas das refeições, quase não assiste aos vídeos – sai
misteriosamente para a aldeia. Tem um jovem amigo lá.
Tivemos de usar lanterna pois a
estrada era escura, cheia de buracos; passamos por uma ponte de madeira sobre um
rio, até chegarmos à aldeia. Não se enxergava nada, a escuridão da noite,
cercava o ambiente de mistério. A ponte era estreita e vários ciclistas queriam
passar carregando enormes vasilhas de leite. Só conseguíamos distinguir na
escuridão as lanternas das bicicletas, nada mais. Acompanhamos a americana de
quase dois metros de altura, ela era a nossa segurança. Guiou-nos até um templo
iluminado onde uma multidão de devotos cantava.
Retratos de gurus sorrindo dentro
de molduras em forma de flores, um teatro de marionetes por todos os lados.
Fizeram-nos sentar no chão, junto a um grupo de mulheres, depois me levaram a
um aglomerado de homens, crianças, mulheres. Tentei enxergar o que acontecia
colocando-me na ponta dos pés. Um indiano alto percebeu a minha curiosidade, abriu
alas no grupo para que eu pudesse ver de frente.
Ali estava sentado, em pose de
meditação um homem de meia idade, coberto de guirlandas de flores. Os devotos
se ajoelhavam diante dele beijando-lhe os pés. “Curve-se diante dele”, disse-me
o homem alto atrás de mim. Hesitei, a postura crítica de uma ocidental veio à
tona, mas a força da tradição, a inocência e a devoção dos fiéis quebrou a
minha barreira. Curvei-me diante dele como todos os outros e senti que era isto
que deveria fazer naquele momento.
Voltamos novamente ao nosso
cottage no Krishnamurti Foundation. Paramos num barzinho pobre, construção de
bambu, recoberto de folhas de palmeiras. Jovens camponeses da região assistiam
a um programa de TV.
Voltei sem saber o nome daquele
guru, ficou na lembrança a postura devota dos indianos.
Krishnamurti recusava qualquer ato de reverência. Ele nunca
se julgou um guru, nem aceitou ser o Cristo do futuro conforme os teosofistas
esperavam. Sua missão foi de abrir a consciência das pessoas, e fazê-las
perceber a vida por elas mesmas, sem apoios externos. “Seja seu próprio
mestre”, nos dizia ele em suas palestras. Tendo estudado por muito tempo o
pensamento de Krishnamurti, através de seus livros “Liberte-se do passado”, “A
primeira e a última liberdade” e vários outros, eu pude percorrer a Índia sem
me envolver com nenhuma tradição religiosa.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
KRISHNAMURTI FOUNDATION VARANASI
Viemos
para este lugar maravilhoso, um oásis no meio da confusão de Benares. Estamos
alojadas num cotage, com uma varanda dando para um bosque. Lá embaixo o rio
Ganges continua trazendo as memórias dos conflitos das cidades e banhando de
paz as encostas, as praias e as diversas “Gates” onde os devotos de banham. Em
suas águas deposito as experiências, sejam elas boas ou más. O presente só me
fala de paz, compaixão, amor. Lembro-me do Dalai Lama – “os nossos inimigos são
os nossos maiores amigos, pois nos trazem problemas” e, sem problemas não
podemos crescer.
Os
problemas de Benares me trouxeram a Ragport, onde está situada a sede do K.T.
Aqui
a vivência do agora é tranquila, cheia de beleza. Aqui é o ponto de encontro de
viajantes, daqueles que caminham sozinhos, não pertencem a organizações. Vêm de
todas as partes do mundo. Krisnamurti foi realmente o mestre internacional.
Para ele não existia fronteiras; viajava do Oriente para o Ocidente espalhando
sua mensagem. Derrubava as divisões que separam os homens. “You are the world”,
dizia. Não existe separatividade entre o observador e a coisa observada. Se entrarmos
em união com o canto dos pássaros, com o verde da natureza, o rolar das águas,
o barulho das cidades, a massa humana passando nas ruas nas horas do “rush” nos
sentimos parte deste todo como participantes incógnitos da música coletiva.
Uma
indiana simpática nos recebeu. Chegamos cheias de malas e pacotes. Contei o
episódio do macaco e a decisão rápida de vir para aqui.
Krisnamurti
sempre tem sido o meu refúgio nas longas viagens. Ele foi o primeiro que teve a
coragem de romper com todos os “ismos”. Em 1974, comprei um livro de
Krisnamurti “A Primeira e Última Liberdade”. Achei-o no aeroporto de Belo
Horizonte e fui lendo o livro sem para até Brasília. Continuei lendo pela
madrugada até o dia amanhecer. Quando o sol foi surgindo rompendo as névoas da madrugada
abri a janela do quarto. Minha cabeça mudara, a minha percepção sensorial
aumentara.
A
partir desse dia a minha ligação com Krisnamurti se manifesta de forma
independente, sem pertencer a nenhum grupo, mas sempre encontrando por acaso os
meus irmãos espirituais, seja no Brasil ou na Índia. Eles me recebem com a
maior cordialidade. As portas se abrem, as divisões não existem. Nossa chegada
a Rajgath, a permanência neste cottage todo pintado de cores claras, com uma
varanda de onde escrevo ou desenho, o silêncio do bosque somente cortado pela
música da natureza, o vento, os pássaros cantando, as trepadeiras, os vasos de
flores e um pavão tranquilamente circulando por entre as árvores, tudo isto
constitui no momento o meu oásis. Aqui tenho possibilidade de estar só e
refletir.
*Fotos
da internet
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terça-feira, 18 de novembro de 2014
O BARQUEIRO E O MACACO
O barqueiro nos conduziu pelas
ruas estreitas de Benares. Era magro, enrolado num manto vermelho – “Com a
chuva não tem passagem para vocês irem até lá...” Apontou o templo, as luzinhas
já brilhavam no meio da névoa. Chovera muito e as ruas estavam alagadas.
Tentamos chegar até a escola de sânscrito, mas a água chegara até os degraus da
escada. Agora o barqueiro descrevia em inglês oficial, entrecortado de palavras
da língua local. “Não tem passagem” vão deslizar na escada – “Só de barco.”.
Descemos com dificuldade para não
escorregar. Lá embaixo as águas do rio Ganges traziam memórias de cerimônias,
cremações, flores amareladas jogadas nos rituais, pedaços de carcaças que
envolvem os defuntos. “Não entre no barco!” ele pode afundar, eu posso
tropeçar... Lembrei dos dólares guardados na cintura. O caminho até o barco era
estreito, depois aquela água cheia de coisas, resíduos, nem sei de quê. O
barqueiro insistiu “Mama, não tem perigo, eu seguro seu braço!” – “Não, quando
voltarmos já estará escuro.” Desisti de ir – Preferi subir de novo as
escadarias, entrar pelos becos escuros, seguir a trilha dos devotos. Entramos
num templo, cerimônia de puja, lá dentro as luzes brilhavam em cada nicho: incenso,
velas, sinos tocando. A noite nesses templos antigos de mais de dois mil anos é
impressionante. Velhos vestidos de alaranjado tocam sinos, rodeiam o templo, cantam
mantras. O som dos sinos atravessa todos os labirintos do ouvido, estremece o
corpo, retorna a alma para um passado remoto. Chocalhos, sinos reverenciam os
deuses.
Benares nos remete ao passado,
mas também de maneira às vezes violenta, nos traz de volta ao presente.
O presente é aquele falso brâmane
cantando mantras, colocando flores no pescoço dos estrangeiros, propiciando um
momento de encantamento para depois exigir dinheiro, comercializando os
momentos de devoção. “A corrupção do ótimo é o péssimo” já dizia meu marido.
Agora estou vendo pela própria experiência o ótimo se transformar em péssimo. O
episódio do macaco culminou com a nossa vinda para a Fundação Krishnamurti numa decisão irrevogável. Estava exausta,
queria descansar, a experiência dos falsos brâmanes me deu consciência do outro
lado de Benares, aquele que explora os turistas incautos.
Quando subia as escadarias que levam
a um templo junto ao Ganges, senti dor no peito, um sentimento de pesar bateu
fundo dentro de mim. Não consegui seguir o caminho, parei junto a uma loja de
discos, vídeos, perfumes, pós de sândalo, cassetes. “Não consigo subir, vou
parar aqui!”. O jovem comerciante ofereceu-me chá, colocou uma música
relaxante, tratou-me com o carinho de um filho. Estava tão exausta que não
podia mais dar um passo. A lojinha parecia um templo e o comerciante era um ser
humano com a mente compassiva. “A senhora pode ficar, não vou exigir
dinheiro...”
O contraste entre os falsos
samurais e a compaixão do jovem comerciante me ajudou a respirar melhor. Mas,
as experiências não terminaram. Neste mesmo dia, caí na escada do hotel, fui
descansar em meu quarto. Dormi algum tempo, mas acordei com um barulho na
janela. A cortina mexia e uma cara preta começou a surgir devagarinho pela
fresta. De súbito um imenso macaco pulou no meu quarto. Havia uma bandeja com
frutas e o macaco cobiçava as minhas bananas. Fiquei um instante paralisada,
depois gritei com todas as forças do meu peito. “Help me, a monkey in my room!”
O macaco olhou para mim com os olhinhos miúdos. De corpo inteiro com uma enorme
cauda, parecia um monstro. “Help me”, gritava eu. Naquele momento eu precisava
fugir mas não sabia onde estava a chave do quarto. “Help me!” Aterrorizada a
minha voz ressoava pelo hotel. “There’s a monkey here!” O macaco parou e
arrepiou inteirinho. Olhou para mim assustado e desistiu de roubar as bananas.
Pulou pela janela, de volta aos terraços de onde viera. Os empregados do hotel
vieram me ajudar, o dono do hotel se desculpou dizendo que era a segunda vez em
treze anos que um macaco entrava num quarto.
Eu não quis saber de nada, nem
mais um dia aqui! (Trecho de diário de Viagem à Índia)
*Fotos da internet
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quarta-feira, 12 de novembro de 2014
MEMÓRIAS DE BENARES
Hoje
amanheceu chovendo – Benares com chuva significa barro, a poesia das ruas
saindo nas enxurradas, carregando o lixo da beira das estradas. O movimento de
gente diminui, as pessoas se recolhem. Também nós dedicamos mais tempo para
escrever cartas e as páginas do diário vão descrevendo as impressões.
Hoje
conseguimos descobrir o professor de sânscrito, da Universidade de Benares.
Desde que aqui chegamos colocamos em mente esse objetivo. Agora ele está em
nossa frente. Chegou envolvido num manto de lã. Foi amável e receptivo.
O
professor é graduado, renomado, cheio de títulos. A casa é pobre, uma indiana
veio nos receber, sem falar inglês. Passamos por roupas no varal e agora aqui
estamos num espaço que é sala e quarto ao mesmo tempo. O professor de uns cinquenta
anos escuta atento a uma jovem brasileira cantando de cor os mantras em
sânscrito. Está admirado de alguém dedicar tanto tempo à sua cultura.
A
cultura milenar da Índia pertence à humanidade, é necessário que se faça
urgentemente a integração.
O
professor foi-nos recomendado por um jovem médico de Delhi. As coisas se
relacionam e as descobertas que fazemos na vida vêm todas do aparente acaso.
Agora descubro que estão programadas. Foi preciso que eu chegasse exausta em
Delhi, com dor na coluna; foi necessário me submeter à massagem Aurovédica para
curar a dor nas costas. De repente, me vejo em Delhi, três mulheres jogando um
óleo quente no meu corpo, como se eu fosse um sorvete com calda de chocolate.
Uma hora todos os dias para curar a dor na coluna. Enquanto isto, minha filha
lá fora conversava com o jovem médico. Foi aquele médico que nos apresentou a
este professor de Benares.
Volto
novamente para o presente. O professor vai viajar amanhã, mas reservou a tarde
de hoje para nos ajudar. Meu pensamento voou para longe, lembrando a integração
Oriente-Ocidente, mas um ratinho me puxou para o agora. Passou com aquela
rapidez própria dos ratos, por debaixo dos meus pés. Meu corpo arrepiou todo,
dei gritos irreprimíveis enquanto o professor dava risadas. “Amigo de Ganesh”, minha
filha disse. Olhei para o quadro de Ganesh na parede. De fato, na Índia,
ninguém gosta de fazer maldade com os animais. O ratinho parecia familiarizado
com o quarto, subiu até na cama do professor! (trecho do diário de viagem à
Índia, 1996)
*Fotos
da internet
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terça-feira, 4 de novembro de 2014
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
CELEBRAÇÃO BUDISTA AOS MORTOS
Meu primeiro encontro com o oriente e com a visão
budista da vida e da morte ocorreu em Honolulu, quando ali estive em 1970, de
passagem para o Japão.
À noite, num bairro distante de Honolulu,
celebrava-se uma cerimônia budista. O templo era semelhante aos nossos
cristãos, com um grande altar central rebuscado de ornamentações de ouro.
Embaixo, sob o incenso e defumadores, os devotos acendiam velas e curvavam-se
respeitosamente diante da imagem dourada de um santo com os olhos semicerrados.
Era Gautama, o Buda, nascido na Índia há dois mil e quinhentos anos atrás, e
que, através de jejuns e meditações, conseguiu atingir o estado mais perfeito
que um ser humano pode alcançar. Todo o Extremo-Oriente procura seguir os seus
passos, e ali, no meio da Polinésia, sua voz continuava a ser ouvida. A
cerimônia dos mortos reunia japoneses de todas as ilhas era celebrada, em forma
de rodízio, em diferentes templos. Tivemos a oportunidade de nos misturar aos
budistas, como espectadores silenciosos das cenas, que se desenrolavam.
A cerimônia atravessava a noite, ao ar livre, no
pátio em frente à igreja, e um sacerdote ao centro, no interior de um púlpito,
comandava as danças e os cantos. Vestidos a caráter, quimonos apertados na
cintura em faixas e laços, sandálias por cima de meias brancas, os japoneses
dançavam.
Levavam os filhos pequenos que também batiam palmas
e acompanhavam o lento caminhar do círculo. Cantavam, em ritmo cadenciado,
lembrando os mortos e alegrando-se porque eles continuavam vivos na memória dos
que ficaram.
No culto aos mortos não existe tristeza, e sim, um
sentimento de paz e de quietude interior. Para nós ocidentais chegava a ser
monótono o ritmo sem transbordamentos do povo que cantava. Sentada nas escadas
de pedra do templo budista, assisti a uma cerimônia estranha, ponto de partida
para novas experiências a serem vividas mais adiante no continente asiático.
Mais tarde, nas minhas caminhadas pelo Nepal e nos estudos feitos com os lamas
tibetanos, pude completar essa primeira impressão de viagem: “Morrer é
natural”, dizia o Lama, “o importante é morrer com alegria.”
Fotos da internet
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014
UMA VIAGEM À EUROPA, COMEMORANDO OS 80 ANOS DA VÓ NAIR
Em 1980 viajei para a Europa, acompanhando a minha
mãe, que fazia 80 anos. Achei nos meus guardados, este diário, escrito por ela,
contando de forma muito espontânea a nossa viagem.
“Saímos do Galeão às 11 hs da noite de 7/7/80,
viagem muito boa. Estamos agora parados no aeroporto de Dakar. Cheguei um pouco
cansada, pois saímos às 11 da noite e chegamos às 8 hs da manhã do dia seguinte
(embora exista uma diferença de 3 horas para mais, por causa do fuso horário).
Chegamos em Genebra e no aeroporto
estava à nossa espera um empregado da
companhia de aviação. Foi muito atencioso, tomou conta da nossa bagagem e nos
levou ao Hotel Eden.
Hoje , dia 9, está bastante frio, tomamos um carro por
2 horas e corremos parte da cidade. Helena conversa correntemente em francês e
inglês, de maneira que estamos nos saindo muito bem. Entendo porém quando falam
em espanhol e entendo também um pouco do francês. A cidade é linda, com prédios parecendo verdadeiros
castelos. É muito limpa, não se vê um pedaço de papel sequer jogado no chão.
Hoje presenciei uma criança procurando um cesto de lixo para jogar um pauzinho
de picolé. Ele já estava acostumado a não sujar a cidade. O que me admira
também são os jardins, todos floridos, com flores que eu nunca havia visto.
Arborização lindíssima, as árvores todas com verdes de diversos tons. Nunca
tinha visto coisa mais bonita! Num lago (não sei ao certo o nome) haviam
diversas embarcações e repuxos de água
que subiam altíssimos! Hoje me sinto um pouco cansada (coração), mas vou
controlando com os meus remédios. Helena tem sido maravilhosa companheira. O
dinheiro que corre aqui é o franco suíço, e a vida é caríssima. Helena comprou
um casaco de chuva que estava na
remarcação. Faltava o cinto, e o dono da loja devolveu 5 francos. Ônibus só paga se quiser. O nosso chofer
disse que aqui não existe ladrão nem violência.
Estamos ainda em Genebra e hoje é dia 10 , meu
aniversário. Estou um pouco triste pois passei longe de meus outros filhos.
Almoçamos num restaurante italiano, eu, Helena e Dr Peter, um médico indiano
muito simpático. Fomos depois para o hotel e ele tomou a minha pressão, achando
um pouco alta. Acho que, com a emoção da viagem ela tem subido um pouco. Resultado:
tive que ficar 2 dias de repouso comendo sem sal. Logo melhorei.
Dia 13 de julho viemos para Paris, onde ficaremos 15
dias. Paris, que tanto sonhava conhecer... É uma cidade muito antiga, todos os
prédios velhos. Eles conservam como era no tempo dos reis e rainhas. À toda
hora lembro da Maria Antonieta. Estou gostando muito, apesar da chuva que está
caindo. No dia do meu aniversário, 8 décadas como disse Paulinho, meu neto. É
uma longa vida que nem todos tem o privilégio de chegar. Recebi logo telefonemas
de todos os filhos, o que muito me comoveu. No mesmo dia, uma carta da Maria
Regina, com gosto de minha família. Da Suíça para Paris levamos 1 hora, uma
viagem muito boa. Hospedamos no hotel de France, bonzinho, 3 estrelas, mesmo no
centro da cidade.
Hoje é 14 de julho, estão em grande festa, festa
nacional pela tomada da Bastilha. Estamos sentadas numa praça onde tem uma
festa popular, coreto com música e dança para o povo. Muito interessante e
todos muito alegres. Como é emocionante conhecer tantas coisas que já havia
lido em romances...
Depoimento de Helena: “pessoas de todas as cores,
gente de todas as idades, música, dança, a verdadeira Paris do povo parisiense
está aqui nesta praça com um pequeno coreto no meio, mesinhas, café, creperie,
janelas com flores, luzes nas ruas. Dá ideia de Ouro Preto, tudo antigo. Pela
primeira vez um programa legal, 14 de julho em Paris. Marselhesa, os nobres
caindo, o povo, a massa subindo, Revolução Francesa e o mundo depois de tudo
continuando na mesma. Pobres e ricos, nobres e plebeus. Ontem em Genebra vimos
o Papa João Paulo II na televisão pregando a revolução sem mortes, sem
guilhotinas, mas conscientizando a luta e a compreensão das diferenças no
sentido das mudanças. O mundo ocidental quer as reformas da massa, o mundo
oriental quer a reforma de cada um dentro de si – Krishnamurti prega outra
revolução, a quebra do ego, do eu egoístico para a compreensão também da
igualdade de todos – por dentro, não por fora.
São dois polos opostos da mesma moeda – mudar, reformar.”
Continuação do diário de D. Nair: “Hoje, dia 16 saí
com Helena para um encontro com o embaixador do Brasil, muito simpático. Agora,
depois do almoço, fiquei um pouco no hotel descansando. Helena foi a uma
editora para mostrar o livro da Índia. Já fizemos diversos programas, à noite o
Lidô. Fomos a diversos cinemas, todos muito pornográficos, até enjoa.
Hoje, dia 23, viemos ao Museu de Arte Moderna, muito
interessante, muito bonito mesmo. Aqui almoçamos e, enquanto descanso, Helena
corre o museu.
Hoje, dia 24, fomos a Chartres, uma cidade antiga
onde tem uma bela catedral, toda com vitrais belíssimos. A igreja é antiga, mas
é dessas catedrais que dá vontade de rezar, recolher. A cidade é linda, toda em
estilo muito antigo, fomos de trem primeira classe e voltamos de segunda
classe. Ótimo trem, duas horas de
viagem. Aqui na França escurece mais tarde, às 9 da noite ainda está claro.”
(Diário de Viagem de Nair de Salles Coelho)
*Fotos de arquivo e da internet
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quinta-feira, 18 de setembro de 2014
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
MULTICULTURALISMO E ARTE NA EDUCAÇÃO
Um velho de longas barbas brancas e turbante na cabeça aguarda a
esposa que traz as malas. O filho vem esperá-los no aeroporto de Londres,
num carro ultimo tipo. O avião veio de Delhi, capital da India, com 400
pessoas, superlotado, com muitas indianas vestidas de sarís,
sandálias nos pés como se estivessem no calor da Índia. Aos poucos
vou tomando consciência de que o antigo império britânico está recebendo
agora o seu carma de conquistador. O invasor se vê invadido pelos povos
conquistados e os indianos na Inglaterra formam nova colônia, realizando
aquele desejo que os orientais têm de viver no ocidente. Moram em casas
confortáveis e se instalam em vários bairros do subúrbio de Londres,
mas voltam todos os anos à Índia para rever os costumes dos
antepassados ou buscar a noiva prometida pelos pais. Os casamentos são
realizados na Índia, com todas as comemorações festivas, mas a noiva vem
morar na Inglaterra, com a família do noivo, pois isto é o costume na Índia. Os
filhos são, de certo modo, a segurança para os pais durante a velhice, e moram
com eles na mesma casa, muitas vezes devido à necessidade econômica.
Recebem apoio dos avós e dos mais velhos, que ajudam na educação das crianças enquanto
as mães trabalham fora. Há o tempo de
ser sustentado pelos pais e o tempo de sustentar econômica e psicologicamente
os mais velhos.
Fomos convidadas a conhecer uma família indiana residente em Londres. A mulher
trabalha fora, no aeroporto, e o marido faz plantão no metrô subterrâneo, o
" underground" . Estão felizes com a nova pátria que adotaram e
o frio de Londres faz com que recordem também do frio de Punjab, estado do
norte da Índia, próximo aos Himalaias.
Marcamos encontro na entrada do "underground". Vieram nos receber num carro confortável, e a filha mais velha, estudante de universidade, vem conhecer os visitantes brasileiros. Os filhos rapazes usam turbante como o pai, os " sikhs" não mudam sua indumentária quando se estabelecem no Ocidente. O turbante é importante para identificá-los e para que se afirmem política e religiosamente como um grupo cultural da Índia.
Refletindo sobre a situação dos filhos dos imigrantes das ex-colônias britânicas, entrevistei Monica Keating, professora de arte da universidade da "Central England" que participou do Forum das Americas, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente no Retiro das Pedras, em um encontro informal onde ela descreveu com entusiasmo sua experiência em arte-educação da perspectiva de multiculturalismo. Coube a ela ensinar para aos filhos de imigrantes vindos do Caribe, Índia, Paquistão, Bangladesh que entraram na Inglaterra atendendo às necessidades de mão de obra para trabalho depois da 2a guerra mundial. Monica analisa a situação dos muçulmanos e negros Britânicos, isolados nos subúrbios das grandes cidades e considera o ensino da arte contemporânea, uma das formas de reduzir tal isolamento. A arte contemporânea permite a coexistência de diversas técnicas e manifestações culturais. Com isso, facilita na busca da identidade necessária ao desenvolvimento dos jovens. A situação da mulher na cultura muçulmana está evidente nas caixas da jovem Rubina, de 17 anos: "esta é a minha prisão", relata a artista em seu trabalho, uma caixinha com arabescos muçulmanos, hermeticamente trancada, contendo em seu interior detalhes de fatos onde o olhar é velado às mulheres.
Rasheed Araeen, jovem paquistanês, critica em suas obras o isolamento dos artistas não ocidentais, considerados exóticos. A pintura coletiva foi usada por Monica Keating, como forma de aproximar os jovens e quebrar o isolamento causado pela discriminação.
Entre as artistas citadas por Monica destaca-se Ana Maria Pacheco, brasileira famosa na Inglaterra, cujo trabalho vem influenciando os jovens estudantes da educação multicultural. No momento, o governo se preocupa com a discriminação racial, promovendo o multiculturalismo através da arte. Num mundo conturbado por guerras e terrorismo, a arte na educação levanta a sua proposta de paz.
Marcamos encontro na entrada do "underground". Vieram nos receber num carro confortável, e a filha mais velha, estudante de universidade, vem conhecer os visitantes brasileiros. Os filhos rapazes usam turbante como o pai, os " sikhs" não mudam sua indumentária quando se estabelecem no Ocidente. O turbante é importante para identificá-los e para que se afirmem política e religiosamente como um grupo cultural da Índia.
Refletindo sobre a situação dos filhos dos imigrantes das ex-colônias britânicas, entrevistei Monica Keating, professora de arte da universidade da "Central England" que participou do Forum das Americas, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente no Retiro das Pedras, em um encontro informal onde ela descreveu com entusiasmo sua experiência em arte-educação da perspectiva de multiculturalismo. Coube a ela ensinar para aos filhos de imigrantes vindos do Caribe, Índia, Paquistão, Bangladesh que entraram na Inglaterra atendendo às necessidades de mão de obra para trabalho depois da 2a guerra mundial. Monica analisa a situação dos muçulmanos e negros Britânicos, isolados nos subúrbios das grandes cidades e considera o ensino da arte contemporânea, uma das formas de reduzir tal isolamento. A arte contemporânea permite a coexistência de diversas técnicas e manifestações culturais. Com isso, facilita na busca da identidade necessária ao desenvolvimento dos jovens. A situação da mulher na cultura muçulmana está evidente nas caixas da jovem Rubina, de 17 anos: "esta é a minha prisão", relata a artista em seu trabalho, uma caixinha com arabescos muçulmanos, hermeticamente trancada, contendo em seu interior detalhes de fatos onde o olhar é velado às mulheres.
Rasheed Araeen, jovem paquistanês, critica em suas obras o isolamento dos artistas não ocidentais, considerados exóticos. A pintura coletiva foi usada por Monica Keating, como forma de aproximar os jovens e quebrar o isolamento causado pela discriminação.
Entre as artistas citadas por Monica destaca-se Ana Maria Pacheco, brasileira famosa na Inglaterra, cujo trabalho vem influenciando os jovens estudantes da educação multicultural. No momento, o governo se preocupa com a discriminação racial, promovendo o multiculturalismo através da arte. Num mundo conturbado por guerras e terrorismo, a arte na educação levanta a sua proposta de paz.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de setembro de 2014
VIAGEM AO CAMBOJA
Recebi do Dr Cid Veloso o relato de sua viagem ao
Camboja, que transcrevo abaixo:
“País muito antigo, relatando-se histórias de uma
época pré-histórica, de 5 séculos A.C. Em toda sua história, sempre teve muita
influência da Índia (hinduísmo e budismo).
Sistema político: monarquia parlamentar democrática;
não é comunista. O rei atual (Sihamoni) tem 61 anos, é budista, solteiro e foi
bailarino em Paris, não tendo vocação política.
Religião: 95% budistas; há 4.000 pagodas no país.
A colonização francesa ocorreu de 1864 a 1953. O
forte sentimento nacionalista, liderado pelo partido surgido na época – Partido
Popular Revolucionário do Kampuchea – apoiado pelo Vietnã, obrigou a França a
conceder a independência ao país em novembro de 1953, que foi declarada pelo rei Sihanouk. Após a
Guerra do Vietnã, em 1975, o Camboja foi dominado pelo movimento Khmer
Vermelho, liderado por Pol Pot e apoiado pela China, que pregava o maiosmo
radical; foi um regime violento, que resultou na morte de 1,7 milhões de
habitantes. O regime foi derrotado com ajuda dos vietnamitas, em 1979. Em 1993
foi restaurada a monarquia.
É o país mais pobre da Ásia e sua economia é baseada
no arroz, na indústria têxtil, borracha, óleo de palma e, atualmente, o turismo
está sendo o principal produto econômico (recebem 4 milhões de turistas por
ano; como referência, o Brasil recebe 6 milhões/ano). Foi descoberta reserva de
petróleo no fundo do mar, mas ainda em pequena escala, não exportando.
Possui o maior lago de água doce do sudeste da Ásia,
o Tonlé Sap: 3.000 km². de extensão. É o mais rico em peixes e fornece água
para o território da metade da população do Camboja; no lago moram 90.000
pessoas, que vivem em 170 vilas flutuantes. É considerado “Reserva da Biosfera”
pela UNESCO.
Phnom Penh , a capital do país, já foi considerada a
“pérola da Ásia”, tendo perdido o brilho após as seguidas guerras e revoluções,
estando agora se recuperando. O Palácio Real, com belos templos, especialmente
a pagoda de Prata, tem o chão coberto por 5.000 peças de prata e um sólido Buda
de Ouro
Neste momento atual, o ano budista é 2.558. O
Budismo prega 4 princípios: caridade, neutralidade, compaixão e misericórdia; o budista busca sempre dar e não receber. Budistas devem comer apenas 2 vezes ao
dia e dormir do lado direito. Nas estátuas, Buda adota 25 posições; alguns exemplos:
com uma mão para cima: perdão: com duas mãos para cima: paz; uma mão para baixo
e uma mão ao longo do corpo: vencer a batalha do mal.
ANGKOR , considerado Patrimônio da Humanidade pela
UNESCO. O parque dos templos possui 400 km². A beleza, a história
impressionante e a arquitetura imponente dos templos são difíceis de descrever.
Angkor – antiga Yashodharapura – foi o império mais
poderoso do sudeste da Ásia (compreendendo desde Myanmar até o Vietnã), em
torno do grande lago Tonlé Sap, quando foi capital do Camboja, no ápice da
civilização Khmer. Com o declínio do Império Khmer, Angkor foi abandonada,
sendo cercada e coberta pelas florestas tropicais do país. No final do século
19 missionários, pesquisadores e historiadores,
predominantemente franceses, iniciaram estudos na região, recuperando a
história e revelando a importância e a beleza dos templos. Somente na década de
90 do século passado foi iniciado o esforço governamental para desenvolver o
turismo baseado em Angkor. São 300 templos em Angkor, sendo os principais:
Angkor Wat, conjunto de Angkor Thom (Bayon,
Phnom Bakheng , Preah Kahn, Srah Srang, Ta Prohm, entre outros) e
Banteay Srei.
Angkor Wat (angkor = cidade; wat = templo) é o maior
templo religioso do mundo. Construído
durante 32 anos (1.113 a 1.145) por 300.000 trabalhadores e 8.000 artistas (na
época, havia cerca de 1 milhão de habitantes na região, quando Londres possuía
50.000 habitantes). As pedras foram trazidas de 70 km. de distância, utilizando
2.000 elefantes. Tem forma piramidal, com 3 níveis; 5 portas de entrada: uma
para o rei e depois outras para os funcionários, para os monges, para os ricos
e para o povo; apenas uma porta de saída, simbolizando que a morte iguala
todos. Há 4 serpentes com muitas cabeças, uma
em cada canto do templo, para proteção. Há um mural entalhado de 80
metros, com lendas de influência hindu: Mahabharata, Ramayana, criação do
mundo, e cenas de guerra com a eterna luta dialética entre os deuses e
demônios. Há 4 tanques em salas de recepção, dedicados aos 4 elementos: fogo,
ar, água e terra. Os 4 corredores são em forma de cruz, fazendo imaginar uma
identidade (arquétipo?) com o cristianismo.” (Cid Veloso, Diário de Viagem ao
Sudeste da Ásia)
*Fotos de Cid Veloso
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terça-feira, 19 de agosto de 2014
A EXPERIÊNCIA DA INSEGURANÇA
Índia,
Kerala – Kaurangad, 1979. Aqui mora uma santa. Viemos vê-la. Viajamos de ônibus,
trem de ferro sacudindo, o corpo doendo. Receberam-nos com carinho. Nos Ashrams
sempre existem lugares. Os visitantes querem paz, rezam pela paz. Não se cobra
nada aqui, paga-se o quanto se pode dar. Uma amiga foi quem primeiro indicou
esse Ashram no ano passado. Veio da Alemanha buscando a paz e o reino de Deus
aqui na Terra. Procura uma vida de segurança, sem conflitos, rezando e cantando.
Encontrei aquele rapaz que me ajudou no ano passado. Está mais pálido, falando
pouco e desfia constantemente um rosário indiano denominado Mala. Passa os dias
repetindo o mantra. O mantra repetido 108 vezes traz um estado de paz. Sento-me
na grande sala forrada de esteiras e ouço os mantras cantados. Homens de um
lado, mulheres de outro.
A santa, denominada “Mãe” veio pessoalmente rezar pelo mundo. É velhinha, tem
80 anos e dirige o Ashram. Os devotos ficam horas rezando em conjunto. A Mãe
simboliza a energia Shakti. Olhar de bondade e paz. As pessoas se inclinam e
lhe beijam os pés. Sinto-me longe, tão longe desses rituais que, para não
continuar representando, apronto as malas para viajar no dia seguinte. Fica a
lembrança do cozinheiro bigodudo com três filhos, sempre alegre, dos sadhus
comendo de graça (um deles mora na floresta, veste-se com dois panos brancos). Uma das devotas tem o cabelo cortado como
homem, já foi casada, separou, superou o sexo, morou numa gruta três anos. Cada
um tem um modo diferente de crescer. O dela foi assim, libertar-se do desejo de
segurança. Nós agora estamos todos nos libertando também, mas de acordo com o
nosso carma.
Insegurança é correr para apanhar o trem andando, o
indiano na frente tampando a passagem, Beth, minha jovem amiga brasileira dentro
do vagão, correndo o risco de viajar sozinha. Empurraram-me, entrei nem sei
como. O maquinista do trem me disse: “Deus te protegeu”.
Estou viajando de novo. Lá fora os coqueiros passam,
coqueiros e mais coqueiros. Agora estamos atrás de um hotel. Indicaram-nos o Maritani tem até “Cabaret
Hall”. Chegamos cansadas e nada de poder dormir. A música tocou a noite toda! Que diferença de situações! Primeiro o Ashram,
a pura paz, a segurança, todo mundo rezando e cantando e agora o outro lado da
vida. O hotel barulhento, discoteca. Foi difícil dormir apesar do cansaço. De
novo num ônibus, malas nas mãos, sacudidas pela poeira dos caminhos. Beth procura uma clínica chamada “Nature Cure”, que a sua imaginação
transformou numa espécie de “SPA”, onde poderíamos nos recuperar do cansaço de
tantas viagens. Bem que eu não tinha fé neste programa. Andamos, chegamos e
voltamos, não tinha vaga.
Aqui em Kerala o governo é comunista. Hospitais com
bandeiras vermelhas, foice e martelo nas repartições públicas. Bandeiras
ventilando nas sacadas. A Índia é um país democrático, considerada a maior
democracia do mundo, e em alguns estados governa o partido comunista.
Kerala parece um lugar mais organizado. Calicut é
porto de mar, tem cheiro de peixe. Há 500 anos atrás, Vasco da Gama aqui esteve
com suas caravelas. Em Calicut existem muitas farmácias ayruvedicas. Parece que
eles estão se libertando da indústria de remédios estrangeiros e vendendo e
estimulando o tratamento através de plantas. Ayruvedica é a medicina antiga
ensinada nos Vedas. Muita coisa se perdeu porque não foi transmitida. Aqui
quase toda farmácia é Ayruvedica e este hospital do governo está super lotado,
não há vagas. Ouvimos isso o dia todo. Não há vagas... Tudo tem que ser marcado
com antecedência. Voltamos para o mesmo hotel. É difícil viver a experiência da
insegurança. As viagens se transformam em crescimento quando através de
experiências “de risco”percebemos o quanto somos protegidos (Diário de Viagem à Índia, 1979)
*Fotos da internet
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terça-feira, 5 de agosto de 2014
VIAJANTES CONSUMISTAS
Viajar é bom para o auto conhecimento. Ficamos
sabendo como somos quando arrumamos nossas malas. Quanto maior a bagagem, maior
nossa insegurança. Queremos levar tudo, carregar a proteção nas costas, cruzar
o rio da vida com os pertences. São roupas, sapatos, compras, livros, remédios.
Observo as pessoas em torno, como são despojadas!
“Mas sua bagagem é só isto?”
Dois vestidos e uma sandália. A beleza de Patna é interior, ela não precisa variar de roupa. Veio de Israel, foi iniciada na Inglaterra, agora corre a Índia. Permaneceu em Madras três meses, participou de palestras, conferências, danças, fazia pesquisas na biblioteca. Quando ia a um curso de bonecos no centro, voltava com os olhos brilhantes de alegria. Sua bagagem aumentou com dois bonecos feitos por ela mesma. Aqui não há a preocupação de consumir.
Dois vestidos e uma sandália. A beleza de Patna é interior, ela não precisa variar de roupa. Veio de Israel, foi iniciada na Inglaterra, agora corre a Índia. Permaneceu em Madras três meses, participou de palestras, conferências, danças, fazia pesquisas na biblioteca. Quando ia a um curso de bonecos no centro, voltava com os olhos brilhantes de alegria. Sua bagagem aumentou com dois bonecos feitos por ela mesma. Aqui não há a preocupação de consumir.
Shanta partiu para Lunawa com pouca coisa. Não tem
casa, perdeu tudo e ainda espera da vida. Veio do Líbano. Encontramo-nos na
enorme varanda. Passa gente lá em baixo
e olha para cima com curiosidade. Os indianos são curiosos e sorriem. Nós somos
brancas. Shanta ao meu lado, pesquisa livros naturistas. “Nature cure” é o seu
darma. Às vezes a vejo cercada de pássaros. Outras vezes cuidando das plantas
“Vou a Delhi para um curso especializado, mas em janeiro estarei de volta.” Há
uma simplicidade em dizer “I’m a homeless lady”. Uma pessoa sem lar, sem casa,
viajando com poucas malas. O consumo não existe para esta gente, pois o consumo
exige um lugar para se depositar coisas. Armários embutidos, prateleiras,
armários cheios de bagulhos.
Viver o agora é despojar-se de tudo, morrer para o
passado, os apegos, as coisas acumuladas. As pessoas de um modo geral são
“homeless” aqui. Suzy foi professora, largou tudo. Fico lembrando as palavras
de Rubens, um teosofista vindo de Kênia, África. “Conhecimento adquiri-se em
livros, mas a sabedoria só nos chega através da experiência.” Viajar nos mostra
a vida logo em seus múltiplos aspectos, chega-se à conclusão de que o acumulo e
o consumo não levam a nada. É como a serpente comendo o próprio rabo.
Compra-se, satisfaz-se um desejo e ele nos envolve. O não consumo é a
sabedoria. Aquela italiana com um coque amarrado no alto da cabeça só tem duas
roupas. “Tive de optar, ou viajo e aprendo, ou compro e não aprendo”. As roupas
já estão desbotadas, mas a filhinha de 6 anos está feliz porque está sempre com
a mãe, que aprende a fazer bonecos, estuda música e pretende ensinar na Itália
o que aprendeu na Índia.
Aqui nesta comunidade moramos em quartos com
banheiro coletivo. Lavamos roupa no tanque, onde às vezes encontramos amigos para
um bate papo internacional. Lisa nos fala da Inglaterra. Já foi chofer de taxi,
agora está aqui, aprendendo na universidade da vida. Procura ajudar todo mundo.
Há uma vibração intensa de amor e compaixão. Todos têm a sua história e se
encontram junto ao tanque de lavar roupa.
*Fotos de Maria Helena Andrés e da internet
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domingo, 20 de julho de 2014
SÃO FRANCISCO E A GRUTA DELLA VERNA
Um
almoço inesquecível
Uma mesa posta ao ar livre, entre árvores e flores,
travessas de peixe com leite de coco e banana, arroz, salada, vinho e até um
guaraná antártica. Ao redor crianças brincando de roda, homens e mulheres
jovens conversando sobre o dia a dia, a escola onde trabalham e principalmente
sobre crianças. Estamos na casa de Sérgio e Martina, amigos de Teresa e Alberto.
A turma que aqui se reuniu faz parte de uma “tribo”
de professores da Escola Valdorf, situada em Colle onde Teresa e Alberto
lecionam. Considerada uma das pedagogias mais avançadas, ela adota formas de
ensino e currículos bem diferentes dos tradicionais, com o professor
acompanhando durante muitos anos a mesma turma de alunos. Torna-se um mestre,
quase um tutor, uma referência de vida para seus alunos. Hoje eles conversavam sobre crianças, sobre o melhor
para elas, sobre a importância delas serem felizes e não somente aprenderem
coisas, serem um depósito de informações.
Conversamos também sobre motivações para mudanças.
Segundo Sérgio, atualmente aqui na Europa, fatores que provocam mudanças de
vida não são apenas transferências de emprego ou ganhos de salários, mas
sobretudo a realização pessoal: o encontro amoroso com “a pessoa certa”, o
melhor lugar para se criar um filho.
Gruta Della Verna
Toda viagem costuma ter seu ponto máximo, ponto de
virada que coincide com emoções fortes causadas por visões de uma natureza
impactante, dessas de "tirar o fôlego”, a visão de uma obra de arte
grandiosa ou a sensação de paz que, por algum motivo impregna um lugar.
Hoje vivenciamos este ponto de virada quando então
podemos dizer: "chegamos, Lu, onde esta viagem tinha de nos levar. Podemos
agora voltar para casa.”
O lugar: a gruta de La Verna, onde São Francisco de
Assis recebeu, em meditação, as 5 chagas de Cristo.
Tudo começou quando recebi um email de minha mãe,
relatando uma viagem do Regis a este lugar. No dia seguinte, durante o almoço
na casa de Sérgio e Martina, comentei com eles sobre esse lugar. Sérgio me
disse: "podemos ir lá, eu também quero conhecer”.
Hoje foi este dia, um passeio por uma parte da
toscana que nunca iríamos conhecer por conta própria. Por mais de 2 horas o
carro com ele, Martina e a filha pequena Fresia,
serpenteou por vales e montanhas até chegar à comuna de Chiusi Della Verna,
famosa por seus vinhedos e olivas.
Próximo ao local do santuário nossa animada conversa
foi dando lugar a um silêncio bom, natural. O santuário é um conjunto de
construções em tons de cinza e ocre, todo de pedra. Até os telhados são dessas
cores, o que nos dá a sensação de algo que se funde com a terra, com as pedras
altíssimas e com os troncos cinzas da floresta local. Tudo está construído no
alto da montanha, lembrando os lamas tibetanos. Aqui há, além da igreja e
capelas construídas em locais onde São Francisco teve visões da Virgem ou de
Cristo, locais para a residência dos frades e uma casa para a hospedagem de
pessoas de fora. Há também um restaurante, café e estacionamento. Mas para mim
o mais impactante foi a "Gruta Della Verna” entre pedras escarpadas hoje
cobertas com vegetação e florzinhas amarelas e brancas. Fomos descendo uma
escada de pedra e a gruta se revelou, um espaço de poucos metros com poucas
aberturas além da entrada. Encostada na pedra uma grande cruz tosca de tronco de
árvore. A sensação era uma mistura de emoção e de paz, quando lágrimas correm
entre sorrisos. Uma pequena fração do que deve ter atingido o santo, quem sabe
nos atingiu também? Fizemos o que viemos fazer, vimos o que nos era destinado
nesta viagem? Não sabemos ao certo, embora a sensação é de plenitude. Todo o
caminho agora é o caminho de volta. (Trecho do diário de viagem de Ivana
Andrés)
*Fotos de Luciano Luppi
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sábado, 19 de julho de 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
LUCCA, CARRARA E VIAREGGIO
“Luciano está procurando um possível irmão italiano.
Leva na bolsa fotos amarelecidas pelo tempo, enviadas por seu pai Bindo Luppi e
guardadas por Anita, sua avó, desde os anos 40. Fala de namoradas que encontrou
na Itália durante a segunda guerra mundial, quando serviu como pracinha
brasileiro. Quando encontra uma oportunidade, o Lu mostra este material antigo
como uma relíquia preciosa. Muitas vezes as pessoas não mostram tanto
interesse, mas... quem sabe na próxima abordagem teremos mais sorte? De
qualquer forma este é um bom pretexto para seguir um roteiro de viagem que
segue os passos de Bindo Luppi pela região da Toscana, especialmente Lucca,
Carrara e Viareggio.
A parte
histórica de Lucca é totalmente cercada por uma muralha, construída em etapas
há séculos, com o claro objetivo de defesa. Entre ela e o lado de fora um
imenso gramado apresenta declives e túneis que, no passado deviam ser cobertos
com água. Diversos portões se abrem para o interior e neles existem pontes
levadiças dessas construídas com pontas grossas de ferro. Dentro da muralha,
Lucca apresenta a mesma característica das outras cidades medievais, casas
altíssimas com ruas estreitas e sem árvores. Dá-nos a impressão de, ao terem
formado um bloco maciço de construções, essas casas conseguiram proteger- se
umas às outras.
Hoje visitamos a igreja de San Michele, o teatro Del
Giglio, a catedral San Martino, a Praça do Anfiteatro e a casa onde nasceu
Puccini. É sem dúvida emocionante visitar tantos lugares, caminhar por essas
vielas estreitas e sentir-se como um personagem de Brueguel. Mas a emoção maior
aconteceu ao caminhar pela muralha de Lucca. É larga como a passarela de um
parque, e há espaço para a passagem de um carro. Tem passeios laterais de onde
se avista os lados de dentro e fora da cidade. Esta passarela é toda
arborizada, as árvores encontrando no alto suas copas, como arcos de catedrais.
Embaixo pessoas caminham, correm, fazem ginástica, empurram carrinhos de bebês,
crianças pequenas brincam em play grounds e muitos pedalam, alguns em
bicicletas duplas. Vimos muitos velhinhos e velhinhas pedalando com uma
desenvoltura enorme.
Ao longe montanhas nevadas? Não, aquilo branco entre
as montanhas não está no cume delas, mas na base, no sopé dessas montanhas que
formam uma verdadeira cordilheira. O que vemos nessas montanhas a caminho de
Carrara é puro mármore. Na estação central de Viareggio, cidade balneária entre
Lucca e Carrara, as paredes, os bancos, as escadas são todas revestidas com o
autêntico mármore de Carrara. Tudo branco com veios amarronzados. Sim, as
montanhas são de mármore. O trem acaba de passar por "Forte de Marme” e
começa a surgir uma série de indústrias que processam o mármore: pedras brutas,
cortadas em blocos, em pequenos seixos e até pó de mármore. Além disso,
caminhões, esteiras rolantes, guindastes. As indústrias estão dos dois lados da
ferrovia e avançam para o interior da cidade.
Bem defronte à estação de Carrara se abre uma
montanha minerada. São crateras abertas há séculos mostrando suas vísceras
brancas. Entre a estação e esta montanha uma mineradora com suas máquinas.
Segundo o nosso guia turístico, um livro sobre a Toscana, há mais de 2000 anos
o mármore é extraído dos Alpes Apuanos e embarcado no grande porto de Marina de
Carrara. Pelo que pudemos observar hoje a cordilheira branca tem provavelmente
mais 2000 anos de exploração pela frente...
Tentamos encontrar o centro da cidade para ver o
museu, o palácio, a catedral. Tínhamos que tomar um ônibus ir para outro lugar.
De repente o Lu me disse: "vamos voltar, passar o resto deste dia em
Viareggio”. Concordei. Depois ele confessou: "sinto este lugar meio
pesado. “Adeus, vovó, você fez bem em ir para o Brasil”. Aqui em Carrara nasceu
sua avó Anita, que no Brasil encontrou com Calixto seu avô, nascido em Modena.
As famílias de ambos se encontraram no navio, a caminho do Brasil.
Viareggio, famosa por seu carnaval, é um balneário
com sua praia de areias claras, avenida beira mar, casario que lembra casas de
São Paulo ou Rio, marina extensa, cinemas, teatro. Aqui se fabricam barcos de
passeio que são vendidos para muitos países. Alguns são escuros, uns
verdadeiros "barcos de batman”. Da época medieval só restou uma torre.
Luciano
procurou uma certa rua em Viareggio, seguindo anotações deixadas por seu pai.
Ninguém, nem mesmo um velhinho simpático que queria muito ajudar, se lembrou
daquela rua. Afinal um taxista arriscou um palpite: era em Nozano, um vilarejo
perto de Viareggio.” (Ivana Andrés, diário de viagem à Itália, 2014)
Fotos de Luciano Luppi
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